O Brasil costuma produzir paradoxos em vários campos, a economia um
deles. No ano passado, por exemplo, quando o PIB “andou de lado”, não
tendo alcançado um resultado muito além de um crescimento acima dos 2%, a
arrecadação federal bateu recordes, com um volume coletado de R$ 1,13
trilhão, um aumento real, descontada a inflação, de 4%, bem acima da
evolução projetada da economia.
Em dezembro, a Receita colocou
nos cofres do Tesouro R$ 118,3 bilhões, 8,2% a mais que em dezembro do
ano anterior, o maior recolhimento de impostos federais da história,
nesse mês. Para um analista cartesiano, um assombro. Para não dizer,
incoerência. Adicione-se à aparente esquisitice que mesmo não se
considerando algumas das receitas extraordinárias de que o governo se
beneficiou para trombetear que atingira a meta do superávit primário de
2013 (R$ 75 bilhões), a arrecadação foi animadora para o Planalto e,
pior, até mesmo a carga tributária, já nas alturas, subiu — o que
parecia impossível.
O economista José Roberto Afonso, do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, calcula que ela
atingiu os píncaros de 37,5% do PIB. E isso com toda a batelada de
desonerações que têm sido concedidas.
Mas, pelo menos em economia,
as incongruências têm explicações. E, no caso da avidez pantagruélica
com que o Estado brasileiro avança sobre as rendas da sociedade — é uma
das maiores cargas de impostos do planeta —, há várias.
Uma delas,
segundo José Roberto Afonso, é mesmo o grande e complexo aparato de
legislação tributária que faz com que, por exemplo, mesmo quando há
desoneração na venda de um produto, a arrecadação sobre ele aumente. Não
é mágica. Há tantos impostos incidindo sobre impostos, e cobranças em
cascata, que se torna impossível o ressarcimento total do que foi taxado
em toda a cadeia produtiva. É o caso da cesta básica, isenta de
impostos, mas só no papel. Por esta razão.
Além disso, o aumento
de importações tem sido um fator positivo para o Erário. O imposto em
portos, aeroportos, fronteiras é mais fácil de cobrar e fiscalizar. E a
Receita taxa só uma vez, na entrada do produto, ao contrário de se ele
for de origem interna, em que há toda uma cadeia produtiva a fiscalizar e
gravar.
Dá-se um daqueles paradoxos conhecidos no Brasil: a
economia vai mal, mas a arrecadação tributária vai muito bem. E como
carga tributária é a proporção do total arrecadado em relação ao PIB, a
carga tributária sobe, mesmo em tempos de economia desaquecida. O
próprio crescimento lento do PIB, nas circunstâncias brasileiras, ajuda
na elevação do índice da carga de impostos.
Mas o “milagre” não é
eterno. Afinal, além do preço pecuniário que a sociedade paga devido ao
peso dos impostos, paga-se, também, devido ao desincentivo aos
investimentos produtivos e empreendedorismo.
Fonte: Jornal O Globo.
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