Gleisi Hoffmann, relatora do projeto, diz que mudança reduz morosidade. Álvaro Dias diz que projeto 'escancara portas para a corrupção'
BRASÍLIA – O governo conseguiu aprovar em comissão mista, nesta terça-feira, o projeto de lei de conversão à medida provisória (MP) que afrouxa regras de licitações para todas as obras e contratos da União, estados, Distrito Federal e municípios. A MP 630/2013 estende o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que já é aplicado para obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a todas as licitações públicas.
A alteração foi aprovada em votação simbólica na tarde desta quarta-feira, sem a presença de parlamentares da oposição, que estavam em reunião para defender a criação da CPI da Petrobras. Durante a votação, DEM, PPS e PSDB marcaram posição contra, mas foram derrotados. A medida, transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV), terá de passar pelo crivo da Câmara e retornar ao Senado. Se aprovado, passa a valer imediatamente.
Criada em dezembro do ano passado, a MP foi editada originalmente para que as licitações de obras para reconstruir locais atingidos pelas chuvas estivessem enquadradas no RDC, além da construção de presídios e de estabelecimentos penais para adolescentes. A autora do relatório, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PA), ex-ministra da Casa Civil, sugeriu a extensão do RDC a todas as obras, em todos os níveis da federação, sob a justificativa de que a alteração irá reduzir a morosidade na execução de obras públicas. Gleisi defende que o regime diferenciado, que dispensa a habilitação das empresas, não irá contribuir para o aumento da corrupção. A senadora estima que o prazo desde a escolha da empreiteira até o início das obras será reduzido pela metade.
— Tudo o que se ganha de prazo na administração pública é importante, porque hoje é tudo muito demorado. Eu estive lá e sei como funciona. A morosidade que existe hoje não garante que não haja corrupção e desvios, então é um erro dizer que o RDC vai contribuir para isso — afirmou Gleisi.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) criticou a mudança. Para o tucano, estender o RDC para todas as obras terá como consequência o aumento da corrupção. O senador defende que as etapas previstas na lei de licitações (8.666) não devem ser usadas como pretexto para justificar atrasos nas obras. Com outros parlamentares da oposição, Dias propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) quando o governo decidiu usar o RDC nas obras da Copa do Mundo.
— O governo está escancarando as portas para a corrupção. De uns tempos para cá, tem procurado limitar os mecanismos de fiscalização para facilitar licitações em benefício de empreiteiras para obras públicas. Ao estender o RDC a todas as obras, consagra uma afronta à Constituição, que já foi objeto de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade). Não se justifica atraso nas obras em função da lei. A morosidade é consequência da incompetência, quando o governo se aparelha, substituindo técnicos competentes por políticos despreparados — rebateu o senador.
Gleisi agiu de forma 'ardilosa', diz deputado do DEM
O deputado do Democratas, Efraim Filho, tentou barrar a mudança, mas, sem número, a oposição não conseguiu aprovar seu requerimento de destaque do artigo 1º do parecer de Gleisi. Ele diz que agora vão centrar fogo no plenário, porque o governo não colocou a digital no projeto original, mas a senadora ex-chefe da casa Civil chamou para si a relatoria, e tenta jogar o ônus da mudança no colo do Congresso.
— A ex-ministra faz isso de forma ardilosa. Em virtude da inoperância e falta de planejamento, o governo quer resolver o problema da falta de celeridade escancarando as portas da corrupção, tirando as salvaguardas da Lei de Licitação que vedam os desvios de recursos e a farra com o erário. Essa ampliação do RDC para todos os contratos da União, Estados e Municipios significa o caminho para o velório e o sepultamento da Lei 8.666, das licitações no setor público — protestou Efraim Filho.
O texto atual da lei que instituiu o RDC explicita que o regime só pode ser usado em contratos e licitações dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; da Copa das Confederações e Copa do Mundo 2014; de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos que servirão as cidades-sedes desses jogos; de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); ações do Sistema Único de Saúde (SUS); e de presídios.
O relatório aprovado pela comissão hoje, de autoria de Gleisi, retira da lei a lista de obras que podem ser contratadas pelo RDC, para dizer apenas que o RDC é "aplicável a licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados do Distrito Federal e dos municípios". O texto ainda prevê que o RDC poderá contemplar serviços de manutenção dessas obras por até cinco anos, a contar da entrega da obra.
O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, criticou a mudança no RDC. Ele destaca que o RDC deve ser usado em casos excepcionais e que mudanças nas regras são "perigosas" para as contas do governo.
— O RDC é uma norma excepcional. Quando se abre para tudo, contratações de União, Estados e municípios, isso é muito grave e perigoso para as contas públicas. A exceção vai virar regra. Isso começou para fins específicos, e agora vai passar a virar a norma geral, por um parecer de uma Medida Provisória. É de novo o Executivo entrando na seara do Legislativo. Isso é muito sério para ser resolvido por um parecer de uma Medida Provisória e a partir daí pode para tudo. Se a Câmara e Senado aprovarem esse parecer, é melhor revogar logo a Lei de Licitações — alertou Marsico.
Além disso, o relatório prece que o contrato de obra e serviço de engenharia tenha um seguro-garantia para execução em casos como o não cumprimento de prazos e custos previstos. O valor da garantia fica entre 10% a 30% da contratação. O texto também permite que o segurador possa passar para outra empresa a execução da obra que está paralisada.
O projeto ainda baixou o valor de garantia exigido nas obras, que atualmente é de 30% para obras com valor maior que R$ 100 milhões. O projeto aprovado hoje reduz para 10% essa garantia, caso não envolvam "alta complexidade técnica, riscos financeiros ou se a apólice inviabilizar a licitação".
Fonte: O GLOBO ON LINE.
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