Sem fiscalização

Brasília - O custo dos estádios da Copa do Mundo mais que dobrou nos últimos quatro anos - de R$4,2 bilhões para R$8,9 bilhões - e, mesmo assim, essas arenas estão sendo inauguradas sem que auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) visitem as obras e sem uma fiscalização efetiva por parte dos tribunais de contas dos estados (TCEs). Os palcos dos jogos se transformaram no principal caminho para desvios e mau uso do dinheiro público entre os empreendimentos construídos para o megaevento, como já constatou o grupo de trabalho montado no Ministério Público Federal (MPF) para acompanhar as obras da Copa.

A pouco menos de três meses da Copa, a fiscalização do TCU ficou restrita aos projetos dos estádios - e, nos TCEs, o acompanhamento das obras é precário, como mostra levantamento do GLOBO. Quando uma auditoria é feita pela equipe técnica de um tribunal local, não é levada a julgamento em plenário nem há pedidos de providência diante do superfaturamento e de outras irregularidades detectadas.

A construção dos estádios contou com R$4,6 bilhões em financiamentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Além disso, o governo federal abriu mão de pelo menos R$462 milhões em impostos que incidiram sobre os construtores das arenas, uma renúncia fiscal garantida por meio do Regime Especial de Tributação para Construção dos Estádios de Futebol (Recopa), a cargo do Ministério do Esporte desde 2010. Os governos locais ou clubes de futebol também entraram com dinheiro e são responsáveis pelas obras. Esse modelo levou a uma divisão na fiscalização - e a um enfraquecimento do controle do dinheiro público.

Caberia ao TCU analisar as operações de crédito e verificar se as garantias oferecidas eram suficientes. A análise da aplicação do dinheiro e da execução das obras são atribuições dos TCEs. O GLOBO apurou que auditores do TCU só estiveram nas obras de poucos estádios, e apenas no momento da discussão dos projetos. Depois disso, a fiscalização ficou restrita à sede, em Brasília, sem visitas as obras. Autoridades do TCU ouvidas afirmam que são justamente o desvio dos projetos e o "excesso de luxo" empregado nos estádios que estão encarecendo as obras.

CASOS MAIS GRAVES

O entendimento predominante entre procuradores da República é de que o BNDES e o BNB não podem financiar projetos malfeitos ou superfaturados. O MPF chego a expedir recomendações no sentido de interrupções dos empréstimos até que os projetos fossem corrigidos. O TCU passou a acompanhar mais de perto os projetos básicos, mas os TCEs estão longe de um monitoramento eficaz das obras.

Além disso, o MPF percebeu uma situação de mais gravidade nos estádios construídos ou reformados por meio de parcerias público-privadas (PPPs) - casos das arenas de Recife, Fortaleza, Natal, Salvador e Belo Horizonte. Técnicos do TCU analisaram apenas a chamada "repartição objetiva de riscos", com a definição do que é atribuição do poder público e o que cabe à iniciativa privada. Não analisaram as viabilidades econômica e financeira dos estádios e o valor da contrapartida a ser paga pelaos estados aos parceiros privados.

- Esta é uma questão de competência constitucional. Cabe aos TCEs olhar as obras com recursos estaduais.  A responsabilidade das obras, se estão mais caras do que deveriam, é estadual. O que examinamos foram os requisitos normativos dos empréstimos - afirma o secretário -geral de Controle Externo do TCU, Maurício de Albuquerque Wanderley.

A Arena da baixada, em Curutiba, quase excluída pela Fifa, só passou a ser fiscalizada pelo TCE do Parané em julho de 2013, a menos de um ano da Copa do Mundo e no momento em que as obras chegaram a 65% do valor contratado. Auditores detectaram orçamentos inconsistentes, falhas nos projetos e um aumento de custo em R$80 milhões, mas a principal preocupação acabou sendo a conclusão da obra a tempo da participação de Curitiba no Mundial.

Em Recife, o TCE julgou regulares uma dispensa de licitação para contratar a empresa de estruturas temporárias, um contrato com uma empresa de engenharia e outro de concessão do uso da Arena de Pernambuco. O TCE de Mato Grosso sustenta que fiscaliza a contrução da Arena Pantanal, mas que só pode determinar alguma providência depois do julgamento de contas, o que ainda não ocorreu. Situação semelhante  à de Fortaleza, onde o TCE não detectou superfaturamento, mas apenas "pendências construtivas". No andamento do processo aberto para acompanhar as obras, não consta nenhum julgamento em plenário.

O TCE de São Paulo informou que não fiscaliza o Itaqueirão. O estádio é do Corinthians, sem participação do governo estadual. É a mesma situação do Estário Beira-Rio, em Porto Alegre, cujo o dono é privado, o Internacional. O TCE fiscaliza apenas a isenção tributária concedida aos construtores, mas não informou qualquer procedimento já adotado no processo. O banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) emprestou R$91,7 milhões para as obras além dos financiamentos do BNDES e do Banco do Brasil.

Os TCEs de Minais Gerais e da Bahia não responderam aos questionamentos do GLOBO. O do Amazonas chegou a registrar em relatórios superfaturamento de R$85 milhões na Arena da Amazônia, detectado pela Controladoria Geral da União (CGU), e a sugerir o cancelamento de um termo aditivo de R$54,4 milhões , mas nenhuma providência foi tomada, porque o processo ainda não foi julgado em plenário.

Fonte: Jornal O Globo

 

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