No Brasil, antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, governantes
usaram e abusaram da dívida pública, recorrendo ao envidamento até mesmo
para cobertura de gastos correntes, de custeio da própria máquina
governamental.
O sucesso inicial do Plano Real somente teria
continuidade se o país conseguisse pôr em ordem as finanças públicas,
traçando-se objetivos de curto, médio e longo prazos. E dentro dessa
ótica é que o governo Fernando Henrique, no segundo mandato, propôs a
Lei de Responsabilidade Fiscal e obteve o apoio da maioria do Congresso —
com a oposição do PT.
Governos estaduais e grandes prefeituras
estavam em situação pré-falimentar e não tinham qualquer autoridade
moral e política para contestar a nova Lei. Assim, estabeleceram-se
limites para o endividamento e um cronograma de redução, atrelando o
valor da dívida a uma proporção da receita líquida disponível dos
estados e municípios. Não foi mais uma “jabuticaba” brasileira, e sim
algo baseado nas práticas de mercado.
Empresas contraem dívidas
para realizar investimentos e alavancar negócios, mas tendo sempre como
referência uma proporção do capital próprio e a geração de caixa. Em
face da experiência do setor público, limites mais prudenciais foram
estabelecidos para o endividamento. Tais regras contribuíram para
aumentar a confiança no real e assegurar a estabilidade monetária
conquistada a duras penas após um longo período de inflação aguda e
crônica.
A Lei mirou o futuro, mas era preciso encontrar uma
solução para o estoque de dívida acumulada. O mercado não se dispunha a
refinanciar, a custos razoáveis, esse estoque. Como alternativa a um
calote generalizado, com consequências imprevisíveis, o Tesouro Nacional
resgatou grande parte dos papéis estaduais e municipais “micados”. Em
troca, estados e municípios assumiram o compromisso de ressarcir o
Tesouro a longo prazo, comprometendo na amortização de principal e juros
um percentual máximo anual de suas receitas líquidas.
Os entes
federativos que alienaram ou transferiram patrimônio para amortizar de
imediato 20% do estoque da dívida obtiveram condições de pagamento mais
favoráveis. Já se passaram alguns anos dessa renegociação e o indexador
que corrige a dívida remanescente com o Tesouro (IGP) tem sido motivo de
discussão.
Governadores e prefeitos (especialmente o de São
Paulo, atraído pelo grande aumento de margem para endividamento) têm
interesse em adotar um indexador mais brando (IPCA, Selic ou TJLP, o que
estiver mais baixo), e para tal buscaram apoio no Congresso. Têm a
simpatia dos “desenvolvimentistas” do Planalto.
Mas a mudança do
indexador, de forma retroativa, terá impacto direto, negativo, sobre o
Tesouro. Por isso, a alteração é inaceitável, até por ferir o espírito
da Lei. O próprio governo pediu que a tramitação do projeto, já no
Senado, seja sustada. Não foi ouvido. Para um país que acaba de ter a
nota de risco rebaixada por agência internacional, aprovar o virtual fim
da LRF será uma catástrofe.
Fonte: Jornal O Globo
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