De volta aos subterrâneos

A proibição do financiamento de empresas a campanhas eleitorais, já virtualmente declarado inconstitucional pelo Supremo, injetará razoável dosagem de ética na vida pública, acreditam seus defensores. Infelizmente, não passa de um exercício de otimismo, sem chances de se tornar realidade.

Mas o Supremo, por maioria de votos, alijou as pessoas jurídicas do apoio financeiro a políticos e partidos — falta apenas concluir o julgamento, provocado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E, assim, resta à sociedade continuar a debater o tema do financiamento em geral de campanha, para que as distorções não se ampliem no submundo das finanças da política, um território obscuro, e não apenas no Brasil. Haja vista os escândalos que volta e meia abalam governos e homens públicos em democracias de longa quilometragem e estabilidade — França, Estados Unidos e Alemanha, para citar algumas.

Imaginam os defensores do veto a empresas que os pleitos, sem atores de alto calibre financeiro, ficarão éticos de uma hora para outra. Terrível engano. Barradas na porta da frente das campanhas, as pessoas jurídicas entrarão nelas pela porta dos fundos. Como sempre fizeram, mesmo durante o período, a partir da redemocratização, em que suas contribuições a políticos e partidos puderam ser contabilizadas. E continuará assim mais dois anos, pois a decisão do STF só vigorará a partir dos pleitos municipais de 2016.

O curioso é que a legislação eleitoral passou a admitir a contribuição oficial de pessoas jurídicas em nome da transparência da vida pública. Deduz-se, portanto, que barrar o financiamento formal de campanhas é voltar à obscuridade do passado. Mesmo porque nada foi feito de substantivo para dotar a Justiça e o Ministério Público eleitorais de instrumentos capazes de desestimular o caixa dois. Tudo continua mais ou menos na mesma, com a importante exceção da Lei da Ficha Limpa, um filtro eficaz para evitar o uso da política como proteção por parte de corruptos já condenados na Justiça ou esfera administrativa.

Já o trânsito do dinheiro “por fora” ou “não contabilizado", segundo o jargão dos mensaleiros petistas, segue e seguirá solto. Escândalos como os dos mensalões petista e tucano mineiro mostram a dificuldade na descoberta, apuração, denúncia e julgamento de crimes financeiros cometidos com a aplicação de técnicas apuradas de desvio de dinheiro público e sua lavagem, para que se disfarcem de recursos “privados”.

Mesmo que a Polícia Federal tenha conseguido êxitos neste campo, a legislação é débil para punir com o rigor merecido. De volta às sombras, as pessoas jurídicas sabem como atuar sem maiores riscos no apoio a partidos e políticos preferidos. Várias até preferem assim, na penumbra. Bem como alguns partidos e políticos.

Um grande risco é usarem esta decisão do STF como antessala da estatização completa das finanças eleitorais, séria ameaça ao contribuinte.


Fonte: Jornal O GLOBO.

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