Rio 2016: é hora de correr com a organização

Para que o Rio promova a grande Olimpíada que todos esperam, não dá para perder nem mais um dia com o jogo de empurra e a politicagem que fizeram o COI entrar em campo para valer.

Confrontados diariamente com a angústia do "entreg­a não entrega" dos estádios de futebol para a Copa do Mundo que se avizinha, os brasileiros tiveram de engolir outro atestado de incompetência na condução de um grande evento esportivo quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) decretou uma espécie de intervenção branca nos preparativos para os Jogos de 2016 no Rio de Janeiro. À exceção de Atenas (2004), que ingressou no glossário olímpico moderno como sinônimo de caos administrativo e incertezas até o último instante, nenhuma outra cidade-sede havia levado o alto escalão do COI a acender o sinal de alerta com essa intensidade e entrar em campo para zelar por sua própria história. É verdade que na Grécia, a quatro anos dos jogos, justamente quando o COI soou a sirene, não se via uma única obra em andamento, diferentemente do que ocorre no Rio. Mas, com dois anos apenas pela frente, é consenso aqui que não resta mais um minuto a perder com a letargia de Brasília, o jogo de empurra de responsabilidades entre poderes e a politicagem que até agora vêm sendo a marca dessa Olimpíada 2016.

Há um claro desencontro entre os relógios suíços que regem o COI e a noção de tempo nos gabinetes de quem decide as coisas no Brasil. No governo federal, a instância que no dossiê de candidatura aparece como a grande financiadora e gestora do projeto olímpico, as prioridades estão claras: Olimpíada é assunto para depois da Copa e das eleições. A má coincidência de datas, que atravanca a máquina e represa os repasses olímpicos, traz certo mal-estar à presidente Dilma Rousseff. "É duro para ela justificar o aporte de um caminhão de dinheiro para o Rio de Janeiro em detrimento de outros 26 estados em pleno ano eleitoral. As manifestações nas ruas também são outro incômodo: a revolta com a Copa pode facilmente se estender à Olimpíada, e Dilma sabe que acabará respingando nela", conta um observador.

Nesse sentido, a matriz que define as responsabilidades de cada alçada de poder (recém-divulgada, com atraso de uns dois anos e já sob a pressão do COI) contém uma informação que não deve passar despercebida: não é mais o governo federal, como previsto inicialmente, mas sim a prefeitura do Rio que arcará com grande parte dos projetos, a maioria deles em parceria com a iniciativa privada. A nova matriz — um documento sucinto que informa quem bancará e executará as obras de todas as instalações envolvidas nos Jogos — deu algum alento ao COI por dois motivos: 1) finalmente foi batido o martelo sobre o mais básico e 2) suavizou-se um pouco o peso da agenda eleitoral sobre a Olimpíada do Rio. Não significa que a cúpula de Lausanne não esteja de olhos bem abertos e ciente dos enormes desafios por vir.

Um dos projetos que simbolizam melhor o misto de morosidade à brasileira com empurra-empurra entre os poderes é o Parque Olímpico de Deodoro, na Zona Oeste carioca, sede de nada menos do que 11 das 41 modalidades dos Jogos. Evidentemente , as obras já deveriam estar em pleno vapor, mas só na semana passada - é isso mesmo, leitor - lançou-se o edital de licitação. Como uma batata quente, Deodoro foi passando de mão em mão - repousou três anos sobre o colo federal, oito meses no estadual, até cair na alçada municipal, em dezembro. Entre os técnicos, é unanimidade: se o prometido valer, a obra começará no segundo semestre e ficará pronta em cima do laço. "Mas nada, nada mesmo, pode sair fora do previsto no meio do caminho", enfatiza um desses tecnicos. No rol das obras, porém, há outro enrosco que se arrasta longe dos holofotes e aflige ainda mais o COI. Trata-se da construção do Internacional Broascast Center (IBC), estrutura equivalente a dez Projacs onde ficarão as emissoras que detêm diretos de transmissão dos Jogos - uma das maiores fontes de renda do comitê. O governo federal já empurrou o projeto de 400 milhões de reais para o município, mas permanece ainda o impasse sobre quem vai bancar as instalações do entorno, essenciais para o alojamento de equipamentos e de um gigantesco sistema de ar condicionado.

Só para dar o tamanho da encrenca: a conta que ainda não tem dono gira em torno de 300 milhões de reais.

Dinheiro, aliás é preocupação presente nesse enrolado enredo. Isso desde os tempos em que o Rio ainda pleiteava ser escolhido. Para dar solidez à candidatura carioca, à qual era simpático, o próprio COI sugeriu que os governos entrassem como uma espécie de avalista do Comitê Rio 2016 - cujo caixa (7 bilhões de reais dos 36,7 bilhões envolvidos nos Jogos) é composto basicamente de verbas de patrocínio e repasses do COI. Esse dinheiro banca os equipamentos esportivos, a estadia dos atletas e a organização geral do evento. Se esses recursos acabarem, diz o dossiê, os governos entram em cena para cobrir o buraco. Só que nesse ambiente de "deixa que eu deixo", em que nenhuma parte demonstra disposição para desembolsar mais do que o planejado, o COI sente justificada insegurança quanto à palavra escrita.

Como se isso não bastasse um fato novo fez subir ainda mais a temperatura em Lausanne. O imbróglio que ecoa na sede suíça do Comitê Internacional está situado na Vila Olímpica, onde ficarão os atletas. Havia sido acordado que, durante os Jogos, o Comitê Rio 2016, presidido por Carlos Arthur Nuzman, pagaria ao consórcio de empreiteiras - dono do erreno e das edificações que se converterão em novo bairro - um aluguel pelo uso dos apartamentos. Mas o consórcio entendeu que deveria receber também pelo período de quase um ano em que segundo calcula, os alojamentos já prontos ficarão vazis esperando a Olimpíada começar. Fala-se de um extra na casa de 300 milhões de reais a ser custeado pela Rio 2016 - um adicional que causa compreensível apreensão. Afirma um dos observadores das costuras olímpicas. "Ninguém faz alarde, mas a preocupação com a saúde financeira do comitê local foi uma das razões que levaram o COI a endurecer com o Brasil".

Nos últimos anos, os delegados do Comitê Internacional rodaram de esfera, de gabinete em gabinete na tentativa de definir quem faria o quê - um périplo quase sempre infrutífero. Para a coordenação de tantos poderes, criou-se uma alçada sob inspiração londrina, a Autoridade Pública Olímpica (APO). Uma medida tecnicamente justificável, mas logo contaminada pelo fisiologismo, já que seus titulares foram mudando ao sabor das conveniências políticas. Primeiro foi a vez do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que Dilma queria acomodar em sua corte, mas não sabia onde. Foi ele próprio que, entendendo a pesada disputa de poder, jogam a toalha antes mesmo de ser entronado. Acabou aceitando uma vaga no conselho público olímpico, órgão que supervisiona a APO, em que está até hoje. A presidente resolveu então conceder o comando ao ex-ministro das Cidades Márcio Fortes. Era uma espécie de prêmio de consolação, que logo se converteu em presente de grego; ele acabaria escanteado e sem voz. Atualmente, é o general Fernando Azevedo quem ocupa o cargo. Aqueles que acompanham os preparativos dos jogos, porém, sabem que a rara união de tantos egos selada nos bons tempos da candidatura, com o ex-presidente Lula à frente, nunca mais se viu. E essa desarticulação explica em grande medida a bagunça de hoje.

Foi a soma de todos esses problemas que empurrou o COI para a recém-anunciada intervenção (na língua do comitê, uma "prestação de auxílio"). Em janeiro, o próprio presidente da entidade, o alemão Thomas Bach, esteve com Dilma em Brasília. Ela ouviu suas queixas, prometeu providências e designou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para coordenar as iniciativas olímpicas, acima inclusive da APO. Desde então a coisa andou muito pouco, e o diplomático COI liberou as federações internacionais para manifestar insatisfações represadas. Anunciou ainda que vai contratar uma consultoria para fiscalizar o andamento dos trabalhos e antecipou em cinco meses a chegada do diretor executivo dos Jogos Olímpicos, o suiço Gilbert Felli, que desembarcaria no Rio neste fim de semana.

Claramente, a euforia da época em que a turma brasileira encantou a plateia na Dinamarca vendendo um Rio Maravilha ficou no passado distante. Também o Brasil não é o mesmo daquele tempo em que a economia fervilhava, milhões eram guindados à classe média e o país atraia dinheiro de toda parte, enchendo os olhos do COI. Mesmo longe de tal otimismo, os boatos de que o Comitê Organizador pensa em um plano B são apenas isso: boatos para gerar pressão. Não há e nunca houve alternativa aos Jogos do Rio; a luta agora é para que eles não coloquem em risco a tão valiosa marca olímpica. Para 2020, o martelo já está batido: Tóquio, cidade de infraestrutura exemplar, será a sede da Olimpíada, escolha que deverá dar trégua no COI. No Rio, espera-se que os próximos dois anos sejam de trabalho duro em prol de um bom legado e de respeito à montanha de dinheiro do contribuinte depositada em tão grandioso projeto.


Fonte: Revista Veja.

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