Sempre tão atentos e reverentes a pesquisas de opinião, os partidos e
os políticos têm uma impressionante capacidade de se manter alheios aos
crescentes índices de rejeição à obrigatoriedade do voto, exigência com
a qual o Brasil se alinha a uma minoria de países, inclusive na América
do Sul.
Por que voltar ao assunto agora? Para juntar dois fatos: uma pesquisa
do instituto Datafolha publicada neste domingo e a recorrente proposta
de reforma política feita diante de toda e qualquer crise. Mesmo
daquelas atinentes à ausência de compostura das pessoas, mal que as
regras por si só não dão conta de corrigir.
A consulta mostra que 61% dos pesquisados são contrários ao voto
obrigatório, enquanto 38% são a favor. Há dois anos, havia um empate:
48% eram contra e 48% favoráveis.
Em 2008, 53% apoiavam a obrigatoriedade e 43% preferiam que o voto
fosse facultativo. A tendência se inverteu de maneira acentuada e, ainda
assim, o tema é solenemente ignorado nos debates sobre reforma
política.
Há propostas no Congresso para instituir o facultativo, mas tirando
seus autores e uns poucos defensores, são solenemente ignoradas pela
ampla maioria de partidos de todas as correntes. O argumento mais comum é
o de que o voto obrigatório é uma garantia democrática.
Não resiste à confrontação com a realidade vigente na maioria das
nações democráticas. Pela trajetória descendente da satisfação do
brasileiro em ter seu direito de votar transformado em imposição do
Estado, trata-se de uma assertiva na contramão dos anseios do
eleitorado.
Para contraditar há uma teoria corrente não só entre políticos, mas
também entre acadêmicos, juristas e curiosos em geral, segundo a qual
nesse assunto o público não sabe o que diz.
Engraçado, tomam-se como verdadeiros todos os demais itens da lista
escolhida por especialistas para integrar a reforma política, mas quando
se trata de considerar a opinião do eleitor a respeito de seu ato
individual e sagrado, não vale.
As justificativas são várias, mas a mais cínica reza que o povo
brasileiro ainda não teria atingido o estágio de educação e consciência
suficiente para conquistar o direito ao exercício do discernimento. Isso
é dito assim como se fosse uma argumentação robusta e bastante lógica.
Lamentavelmente, seus autores não informam de que maneira seria medido
esse momento glorioso nem indicam a que tribunal seria submetido o
eleitorado para o julgamento sobre o alcance e o preparo para a
conquista da independência.
A solução por ora encontrada é fingir que a questão não existe, não
tem relevância ou que guarda relação com uma insatisfação (temporária?)
generalizada com a política e as instituições - talvez a ser resolvida
com a reforma política.
A descrença de fato pode ser um dos motivos. Mas a desatenção, o
menosprezo a algo que aparece na pesquisa como causa de desconforto é
parte da descrença, pois não?
Quem sabe o eleitorado esteja, ao contrário do que pensam os sabidos,
cada vez mais consciente. Convicto de que o voto é um direito e que tem
sido imposto como obrigação sem que os eleitos se vejam obrigados a
corresponder minimamente às expectativas dos representados.
A prova de que não ouvem é que simplesmente ignoram um tema tão
diretamente relacionado à vontade do eleitor como a forma do voto.
A chance de que os candidatos à Presidência tratem do assunto é nula,
porque o problema não é de consciência nem de educação, muito menos de
defesa da democracia: é medo de perder a garantia da reserva de mercado.
Nisso não falam, mas há consenso tácito.
Crescerá substancialmente a abstenção? Sem dúvida, uma vez facultado o
direito de não votar, os candidatos, os representantes, os governantes
terão de mudar radicalmente o comportamento para motivar o cidadão
brasileiro ir às urnas com vontade de acertar.
Essa é a obra necessária e à qual ninguém se dispõe a dar as mãos.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo
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