Risco para o equilíbrio fiscal

BRASÍLIA - Com base em relatórios da Receita Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) estima que o custo para os cofres públicos de incentivos fiscais, renúncias e desonerações tributárias em 2013 chegou a pelo menos R$ 203,7 bilhões. O número resulta de auditoria realizada pelo Tribunal para avaliar a estrutura de governança das renúncias tributárias. Na avaliação do TCU, o crescimento dos valores renunciados em consequência dos benefícios tributários concedidos pode apresentar riscos para o equilíbrio fiscal e o alcance de metas e resultados planejados . Com o argumento que a economia precisa de incentivos para crescer e gerar empregos, o governo ampliou substancialmente as desonerações tributárias desde a crise de 2008, como redução e isenção de IPI de vários segmentos econômicos e desoneração da folha de pagamentos do setor produtivo.

A auditoria, segundo o próprio TCU, decorreu da possibilidade de existirem falhas na estrutura de governança das renúncias, como indefinição de objetivos e metas, irregularidades na aplicação dos recursos ou na prestação de contas, ausência de fiscalização, falta de avaliação de recursos envolvidos e deficiências na transparência . Em 2012, segundo essa análise, o valor estimado das renúncias, incluindo as previdenciárias, alcançou R$ 172,6 bilhões, o que representou um crescimento de 50% em relação ao exercício de 2008, superando as despesas orçamentárias executadas nas funções Saúde e Educação. No ano passado, o crescimento persistiu, segundo voto do ministro Raimundo Carreiro, aprovado em plenário do TCU na quarta-feira passada.

Os números do relatório do TCU são bem mais altos que os divulgados mensalmente pela Receita Federal, em sua análise da arrecadação. Segundo o relatório do Fisco, o valor das desonerações, sobretudo com a da folha de pagamentos, chegou a R$ 77,8 bilhões em 2013 e a R$ 46,5 bilhões em 2012. O cálculo do TCU é baseado no Demonstrativo dos Gastos Tributários, enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, e considera também incentivos tributários já consolidados, como a Zona Franca de Manaus e os investimentos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), por exemplo, mas não leva em conta benefícios financeiros e creditícios.

O voto do ministro Carreiro apontou que a equipe de auditoria do TCU identificou fragilidades na estrutura de governança das políticas públicas financiadas por meio de renúncias tributárias . Entre elas, ausência de normatização do processo de instituição de renúncias tributárias; de acompanhamento e de avaliação das renúncias tributárias; deficiências de comunicação sobre os benefícios tributários entre Receita Federal e órgãos gestores; e ausência de regulamentação sobre a gestão das políticas públicas por parte do órgão gestor.

A área técnica do Tribunal indicou caminhos para melhoria na transparência com melhor organização dos dados. O Plenário do TCU fez recomendações à Casa Civil e aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão para que providências sejam adotadas no prazo de 180 dias.

A Receita Federal esclareceu ao GLOBO que, no documento mensal da análise da arrecadação, o objetivo do Fisco não é apresentar todas as desonerações em vigor, mas explicar as razões do comportamento recente da arrecadação e avaliar as variações em relação ao ano anterior. Assim, não haveria sentido em incluir, por exemplo, o valor da desoneração na Zona Franca de Manaus. Para simplificar as comparações, foi realizada uma linha de corte nos dados das desonerações a partir de 2010 , explicou o Fisco.

A Receita informou ainda que o conceito de gasto tributário é diferente do de desonerações, que é o divulgado mensalmente. O primeiro considera todo gasto indireto feito por meio do sistema tributário, normalmente com tratamento diferenciado a região ou grupo de contribuintes, mas que poderia ser substituído por uma política de gasto direto via orçamento. O conceito de desonerações é o que considera todas as medidas implementadas que, potencialmente, provocam redução de arrecadação , informou o Fisco.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, disse que ainda não recebeu relatório do TCU para proceder uma análise detalhada de seu conteúdo. Ele destacou, porém, que as desonerações tributárias são instrumentos de política econômica importantes para períodos de crise econômica, como foi o período desde 2008 , e que se tratam de políticas fiscais anticíclicas altamente recomendáveis pela literatura econômica.

Holland ressaltou ainda que tem sido prática recorrente e permanente da SPE a avaliação dos impactos das desonerações tributárias implementadas pelo governo e que o governo acompanha a efetividade dessas medidas com base em indicadores mensais de conjuntura. Além disso, afirmou que as decisões de desonerações tributárias são precedidas de notas técnicas qualificadas das equipes técnicas e de pareceres jurídicos da Procuradoria do Ministério da Fazenda (PGFN).

- Mesmo com tais desonerações tributárias, o governo federal conseguiu obter importantes avanços nos seus resultados fiscais, com estabilidade de dívida bruta e queda de dívida líquida sobre o PIB - afirmou o secretário.

O secretário de Macroavaliação Governamental do TCU, Marcelo Barros Gomes, explicou que os cálculos do tribunal foram feitos com base em dados enviados rotineiramente pela Receita Federal. O acórdão da semana passada, que apontou gastos de R$ 172,6 bilhões em 2012 e R$ 203,7 bilhões em 2013 referiam-se a dados enviados pela Receita em agosto do ano passado. Documento enviado em março deste ano, ainda não considerado pelos ministros na votação em plenário, aponta que o custo estimado aumentou para R$ 182 bilhões em 2012 e R$ 218 bilhões em 2013.

Para o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, embora, no início da crise de 2008, a concessão de benefícios fiscais com o objetivo de aquecer a atividade econômica fosse justificável, o governo não deveria ter insistido nessa política ao ver que ela não surtiu efeito na atividade econômica.

- Essa é mais uma parte da política fiscal equivocada nos últimos anos. A justificativa do governo era de que essa política geraria emprego, mas nada disso aconteceu. A medida foi mal tomada - disse Salto.

Fonte: Jornal O Globo.

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