O projeto de lei 559/2013, que
promove uma grande reforma na Lei de Licitações, está na pauta do
esforço concentrado do Senado e deve ter sua tramitação acelerada para
cumprir a promessa do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), de aprovar a
medida na Casa ainda nesta semana. A reforma da legislação de
licitações foi uma das bandeiras defendidas pelo atual presidente do
Senado ao assumir o cargo, há quase dois anos e é uma demanda antiga das
empresas públicas e da administração direta.
Há, no entanto, sérias resistências à proposta. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido com exclusividade pelo Valor, aponta passagens do projeto que estariam em conflito com a atuação dos tribunais.
Os principais pontos que afetam o TCU, segundo o documento, são a
possibilidade, com a nova lei, de se responsabilizar o auditor caso
indícios de irregularidades constatados não sejam confirmados e a
criação de uma miríade de requisitos que dificultariam que o TCU
apresentasse medidas cautelares. Além disso, o PL 559/2013 faria com que
licitações passassem pelo crivo prévio do TCU, aumentando
demasiadamente o volume de trabalho do tribunal.
Os artigos 11 e 12 da proposta tratam dos procedimentos aos quais os
órgãos de controle devem se submeter, o que para o TCU constitui vício
de iniciativa, portanto inconstitucional. "Proposta de lei que aborde
essa matéria é de iniciativa dos tribunais de contas, em conformidade
com o art. 73 c/c 96 e art. 75 da Constituição Federal de 1988. Por
vício de iniciativa, motivo pelo qual entende-se que devem ser
suprimidos", aponta o TCU.
A instituição do controle prévio, constante no artigo 56, segundo o
TCU "inviabiliza a atuação dos tribunais de contas e da administração
pública, que diante da incapacidade prática de realizar o exame prévio
de todos os atos administrativos pode produzir uma análise superficial".
O documento produzido pelo TCU aponta ainda que "por outro lado,
optando-se por realizar um exame mais detido de cada ato, corre-se
elevado risco de que os processos licitatórios atrasem em demasia em
decorrência de inexequibilidade operacional dos tribunais de contas de
efetuarem o controle prévio". Em suma, o controle prévio colocaria os
tribunais em posição delicada em qualquer das hipóteses, seja por
examinar superficialmente as obras e serviços, ou por demorar em demasia
para fazê-lo, já que não há gente suficiente para cuidar de tantos
casos.
Em trecho constante no artigo 93, o PL 559/2013 institui que "os
editais que forem disponibilizados, previamente à abertura da sessão,
por período superior a noventa dias, após notificação expressa ao órgão
de controle, não poderão ter as respectivas licitações suspensas por
inconformidades do edital". O TCU argumenta que o registro prévio de
editais e contratos da administração junto ao órgão foi excluído do
ordenamento jurídico com o advento da Constituição de 1967. Além disso,
"não se deve confundir controle prévio com o controle preventivo que o
TCU exerce objetivando corrigir tempestivamente ou impedir a efetivação
de atos lesivos ao erário ou aos princípios constitucionais", anota o
documento.
O PL 559/2013 estabelece um novo marco legal para contratações no
setor público, revogando a Lei de Licitações atual (8666/1993), bem como
a Lei 10.520/2002, referente ao pregão, e a Lei 12.462/2011, que
instituiu o regime diferenciado de contratações públicas (RDC). No
entanto, o PL 559 contém um dispositivo que expande a chamada
"contratação integrada" para todos os tipos de obras e serviços de
grande porte nas esferas federal, estadual e municipal, o que na prática
significa a generalização do RDC.
A aprovação do dispositivo interessa ao governo e a grandes
empreiteiras, pois em tese diminui a burocracia envolvida em todo o
processo. Entidades de arquitetura e engenharia são contrárias e creem
que a contratação integrada - que permite ao contratante de obra ou
serviço transferir para o contratado a elaboração e desenvolvimento dos
projetos completo e executivo, a execução de obras e serviços de
engenharia e arquitetura, a montagem, a realização de testes, a
pré-operação e todas as demais operações - dificulta a fiscalização e
pode inflacionar os preços.
Líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP) disse discordar
de qualquer entendimento para acelerar a aprovação da medida, o que deve
orientar o posicionamento da oposição. Aprovado em Comissão Especial, o
projeto, relatado pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), teria ainda de
passar por três comissões permanentes antes de ir ao plenário. A
tendência, no entanto, é que a discussão siga por acordo de líderes
direto ao plenário, onde os relatórios das comissões seriam lidos,
apressando o trâmite.
Para compensar os efeitos da contratação integrada, o projeto
estipula regras que em tese garantiriam a correta fiscalização e
execução do projeto. Como o poder público abdicaria de algumas de suas
funções no processo em prol do licitante vencedor, este arcaria com o
risco integral da execução das obras, sem poder requisitar aditivos ao
preço cobrado. Apenas duas possibilidades de reajuste estariam
contempladas, em casos de força maior (como desastres), onde haveria
renegociação, ou quando o próprio poder público tiver interesse em
alterar a obra já contratada - e por consequência, seu preço.
Outra inovação no modelo do PL 559/2013 seria a instituição de um
seguro-garantia de 30% do valor do contrato em obras de grande vulto
(acima de R$ 100 milhões). Pela lei atual, esse percentual é de 5%. O
Ministério do Planejamento participou, junto à assessoria técnica da
relatora, da elaboração de várias passagens da proposta.
Há também previsão de declarar "inexequíveis" propostas de licitantes
que estejam abaixo de 80% do valor orçado pela administração. Caso este
valor esteja abaixo de 90% do orçado, o licitante teria de fazer uma
garantia adicional - fiança bancária ou caução - de que tem condições de
cumprir com a obra dentro do preço estipulado.
Uma possibilidade também seria o chamado "orçamento sigiloso", no
qual o poder público não é obrigado a revelar o preço orçado para os
licitantes, para não inflacionar as propostas. Os órgãos de controle
teriam acesso a esse preço.
Se aprovado pelo Senado, o projeto das licitações seguirá para a
Câmara dos Deputados. Em caso de alterações no texto da proposta de lei,
o projeto terá que retornar ao Senado para nova votação, antes de
seguir para sanção presidencial.