Foi com justificada razão que o movimento surgido na sociedade para
encaminhar ao Congresso a proposta da Lei da Ficha Limpa comemorou, em
maio de 2010, a aprovação de uma ideia que parecia inexequível. Como
imaginar que os próprios parlamentares avalizariam regras mais duras
para o registro de candidaturas?
Pois a Lei Complementar 135, superados todos os obstáculos,
estabeleceu uma regra simples. Deixou de valer para o aspirante a
político apenas a sentença em última instância. Condenações confirmadas
em segunda instância e, na esfera administrativa, determinadas por
colegiados, passaram a ser suficientes para a negação ou cassação de
registro de candidaturas. E a inelegibilidade vale por oito anos.
Fechou-se, ainda, a usual rota de fuga da renúncia, usada por
parlamentares sob ameaça de cassação de mandato. Renunciou, também fica
oito anos sem participar de eleição.
Mas como nada que dependa da burocracia do Estado tem vida fácil, é
árduo o trabalho do Ministério Público Eleitoral para que a Ficha Limpa
produza resultados. Não apenas devido à burocracia, mas pelo cipoal de
leis que impede a Justiça de funcionar como se espera dela. O excesso de
recursos e chicanas ajuda a travar a máquina judicial.
É ilustrativo o que se passa com a candidatura do deputado Paulo
Maluf (PP-SP) à reeleição. No início da semana, o Tribunal Regional
Eleitoral do estado indeferiu o pedido de registro de Maluf para
disputar mais uma eleição. Mesmo assim, em voto de minerva, do
desembargador Antônio Carlos Mathias Coltro, depois do empate em três
votos. Travou-se intensa discussão sobre se houve “dolo” ou “culpa”,
algo impenetrável para não iniciados nas firulas da Justiça brasileira.
Maluf tem condenação por improbidade administrativa, em segunda
instância, devido a desvio comprovado de dinheiro na obra de abertura do
túnel Ayrton Senna, sob o Parque Ibirapuera.
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Outras obras estão ligadas à transferência de “recursos não contabilizados” para contas em paraísos fiscais.
O deputado é condenado, ainda, na Justiça de Nova York, e por isso
pode ser preso pela Interpol no exterior. No Brasil, porém, ele ainda
recorrerá ao TSE para não ser declarado “ficha suja”. Algo semelhante
acontece com José Roberto Arruda, filmado embolsando dinheiro sujo,
quando era governador de Brasília, no escândalo do “mensalão do DEM”.
Foi até preso. Candidato, teve o registro cassado, como manda a lei. Mas
continua em campanha.
Ninguém pode ser contra qualquer direito constitucional. Mas as
dificuldades na aplicação da Ficha Limpa, em vigor na sua primeira
eleição geral, são mais um indício da necessidade urgente de se impedir o
manejo de leis para a perpetuação da impunidade.
Fonte: Jornal O Globo
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