Disputa marcou avanço na aplicação da Ficha Limpa

Por Maíra Magro e André Guilherme Vieira | De Brasília e São Paulo

Para defensores da Lei da Ficha Limpa, as eleições gerais deste ano marcaram um avanço em sua aplicação. Julgamentos recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ampliaram o uso da norma, ao definir interpretações para hipóteses que ainda estavam pendentes de direcionamento.

O juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da lei, diz que o TSE avançou sua jurisprudência em três casos emblemáticos nessas eleições. Um deles foi o julgamento de um recurso do ex-governador do DF José Roberto Arruda (PR), condenado em segunda instância por improbidade administrativa por envolvimento no escândalo conhecido como mensalão do DEM.

Como a condenação ocorreu depois do pedido de registro de candidatura ao governo do DF, a defesa alegou que Arruda estaria livre dos efeitos da Ficha Limpa. Mas o TSE concluiu que, enquanto o registro não for concedido, fatos novos podem afetar a situação do candidato. Em 13 de setembro Arruda acabou renunciando em favor do vice, Jofran Frejat. "Essa eleição trouxe um grande ganho em relação à aplicação da lei, com uma jurisprudência positiva que está se consolidando", comemora Reis.

O segundo avanço que ele aponta se deu no caso do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por improbidade administrativa em um processo envolvendo a construção do complexo viário Ayrton Senna, na zona sul da capital, quando era prefeito.

Pela Lei da Ficha Limpa, é preciso que o ato de improbidade seja doloso (intencional) e gere lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito para que o candidato seja barrado. No caso de Maluf, o TJ-SP não caracterizou os atos como propositais. Mas o TSE entendeu, por quatro votos a três, que quem interpreta as causas de inelegibilidade é a Justiça Eleitoral, mesmo que com base em decisão de outro órgão.

A decisão foi fortemente criticada no próprio TSE, pelos ministros Dias Toffoli, presidente da Corte, e Gilmar Mendes. Já para Márlon Reis, a decisão foi correta. "A Justiça Eleitoral está compreendendo que o dolo a que se refere a lei não é do cidadão comum, mas do administrador. O indivíduo age livremente, mas o gestor, não. É um conceito diferente", afirma.

Para o advogado especializado em direito eleitoral Alberto Rollo, o caso evidencia uma tendência de que a Ficha Limpa ganhe cada vez mais força: "O Maluf é um político com um eleitorado fiel. Tanto a lei é eficiente que está se sobrepondo à vontade popular. Se dependesse do eleitor ele provavelmente seria eleito."

Um terceiro julgamento do TSE mencionado por especialistas ampliou a efetividade da lei ao afirmar que prefeitos que atuarem como ordenadores de despesa - função a ser desempenhada por órgãos técnicos do governo municipal- terão seus gastos analisados não pela Câmara de Vereadores, mas pelo Tribunal de Contas estadual. O benefício da regra, para os estudiosos, foi retirar a decisão final sobre as contas do prefeito das mãos de um órgão político local.

Além das novas interpretações da Justiça Eleitoral, a Ficha Limpa teve sua aplicação referendada pela atuação do Ministério Público. Procuradores entraram ao todo com 502 ações de impugnações de candidatura com base na lei, e conseguiram barrar 241 registros. Segundo balanço parcial divulgado pela Procuradoria-Geral da República, os Tribunais Regionais Eleitorais decidiram manter a candidatura em 211 casos e 50 candidatos renunciaram durante o processo. Os casos mais frequentes de inelegibilidade foram de rejeição das contas do candidato no exercício de cargo público.

Para a professora de direito eleitoral Silvana Batini, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, a Ficha Limpa está apresentando efeitos significativos: "Se tomarmos somente os casos de Maluf e Arruda, podemos avaliar que o balanço parcial da lei é positivo." Para ela, além das candidaturas barradas pela Justiça, a simples existência da norma pode ter o efeito de inibir candidaturas inviáveis.

Editada em junho em 2010, a Lei da Ficha Limpa só foi aplicada de fato nas eleições de 2012. O STF entendeu que as normas que alteram o processo eleitoral têm que ser aprovadas com no mínimo um ano de antecedência para entrar em vigor. Assim, todas as ações de impugnação apresentadas pelo Ministério Público em 2010 com base na lei perderam o objeto.

Até aquele ano, os casos de inelegibilidade que se mantinham nos tribunais envolviam principalmente situações como prefeitos itinerantes e políticos que se divorciavam para que a esposa pudesse se candidatar. Mas no caso de condenações judiciais, o candidato só se tornava inelegível por decisões transitadas em julgado (definitivas), o que tornava essa hipótese de impedimento bastante rara. Além disso, não havia a aplicação retroativa para condenações ocorridas nos últimos oito anos, uma das inovações da Ficha Limpa. Para os casos de contas rejeitadas, por exemplo, só eram analisados os três anos anteriores.

As eleições de 2012 foram o primeiro teste efetivo da Ficha Limpa, quando o STF já havia batido o martelo também sobre a constitucionalidade da norma. A partir daí, o Ministério Público Federal (MPF) passou a elaborar um banco de dados eletrônico sobre inelegibilidade, com informações de todos os órgãos relevantes - como Câmaras Municipais, tribunais estaduais e federais, tribunais de contas e corregedorias do Poder Executivo.

Mais de 600 mil pessoas entraram para esse banco de dados, chamado Sisconta Eleitoral. As informações são depois cruzadas com um outro sistema, o DivulgaCand, responsável pela divulgação das candidaturas no Brasil.

Se os dados se cruzam, as informações são repassadas aos procuradores eleitorais dos Estados para que tomem providências contra o candidato. Segundo o procurador André de Carvalho Ramos, coordenador do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe) do MPF, 99% das impugnações de candidatura nas eleições de 2012 e 2014 foram feitas pelo Ministério Público, e não pelos partidos rivais. "A Lei da Ficha Limpa foi implementada especialmente graças a um esforço hercúleo do MPF, que criou esse banco de dados para sua implementação", diz.


Fonte: Jornal Valor Econômico.

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