Independente da questão da constitucionalidade do Projeto de Emenda
Constitucional que pretende retirar do Tribunal de Contas Estadual do
Rio de Janeiro a competência para fiscalizar as contas dos Municípios
este blog apresenta algumas despretensiosas considerações sobre o tema,
principalmente, para reflexão das lideranças dos funcionários
representantes do denominado corpo instrutivo.
A solução dada pela Assembléia Legislativa esta dentro da lógica sempre
encontrada no âmbito do setor público e que faz lembrar a historia em
que o marido ou a esposa, ao primeiro sinal de traição do parceiro,
resolve o problema retirando o sofá da sala.
Infelizmente, ainda encontramos no setor público muitos dirigentes que
acreditam na medicina tradicional como solução dos problemas. Lançam a
culpa sobre os dirigentes ou sobre os burocratas que justa ou
injustamente desejam “enquadrar”. Queixam-se da fraude, do desperdício,
do abuso de poder e do nepotismo. Como medidas corretivas acabam por
instituir algum órgão, como é o caso, na tentativa de ampliar as formas
de fiscalização da burocracia na ilusória pretensão de prevenir esses
males. Na prática o que se vê é que a cura torna-se indistinguível da
doença, pois muitas vezes o problema não decorre da incompetência ou da
má fé das pessoas, mas de uma sufocante burocracite e regulamentarite
que asfixiam qualquer vislumbre de criatividade. Mas este é assunto não
incluido na pauta das preocupações.
Não se oferece um copo de água a um afogado.
Com a criação do novo órgão seus dirigentes, certamente terão reputação
ilibada, como manda a Constituição, e terão mais de 35 anos, mas
lamentavelmente continuarão com os mesmos problemas e não será surpresa
se daqui a alguns anos também estejam sufocados por denuncias,
irregularidades ou ilegalidades, principalmente estas últimas.
A leitura atenta da PEC revela o propósito bem intencionado de reduzir o
poder de um órgão (o TCERJ) e passar a competencia subtraida para outro
órgão, mas com as mesmas características o que equivale a injetar
mais burocracia e mais controles.
Não é difícil constatar que os Tribunais de Contas estão cheios de gente
boa e comptente, mas que está presa na armadilha de maus sistemas
orçamentários, sistemas de pessoal, sistemas de aquisições, sistemas
de gestão financeira, sistemas de informação. Assim, ao lançar a culpa
sobre as pessoas e estabelecer a cisão do TCE-RJ verifica-se que estamos
perdendo a oportunidade de melhorar os sistemas administrativos
existentes. Tão pouco fica revelada a preocupação com a avaliação das
políticas públicas.
A cisão pura e simples revela uma preocupação com a divisão de poderes,
sem entrar no debate mais relevante que seria a ênfase jurídica na
avaliação das políticas públicas, visto que a leitura do seu texto e
justificativa revela uma preocupação muito mais voltada para a
responsabilização dos governantes e seus auxiliares.
Durante anos e talvez ainda por muito tempo os caminhos do direito e da
avaliação, dos juristas e dos administradores, sempre pareceram
destinados a não se cruzarem principalmente nos países onde a cultura
administrativa dominante tem por matriz o direito público e os juristas
constituem parte significativa da elite burocrática. Nestes a avaliação
das políticas públicas apresenta um desenvolvimento relativamente lento.
A importância conferida à idéia do Estado liberal a partir da legalidade
das condutas, levou à “criação de uma teoria das formas jurídicas
esvaziada de conteúdo e alheia aos fins da atividade administrativa”
Essa postura atávica contribuiu para que o Estado, excluída qualquer
interação com a sociedade civil (MONNIER[i]), olhe menos para os
resultados das políticas do que para a blindagem jurídica da sua
atividade: “pensar em termos de programas (com objetivos definidos e
projetos para seu atingimento esta fora do horizonte de quem se habituou
a considerar as leis em principio feitas para a eternidade (….)
(DERLIEN[ii]).
O exame histórico da ação dos Tribunais de Contas, embora com algumas
honrosas exceções, constitui um bom exemplo dessa situação. Entre nós o
ato administrativo (…) desempenha ainda um papel central e é o veiculo
normal do poder público, a ação é organizada por processos jurídicos
que finalizam em atos, e não diretamente em função de resultados
econômicos, sociais ou outros” (MACHETE[iii]). É certo que no Brasil,
no plano da dogmática jurídico-administrativa, encontramos reflexos e
esforços no sentido de ultrapassar esta perspectiva, mas sempre tolhidos
pela manutenção da legalidade em lugar privilegiado do ato
administrativo e cada vez maior enfase é dada às relações jurídicas para
não falar dos ritos burocráticos emperradores sempre com vistas à
punição dos culpados.
Ao ler a PEC ficamos com a sensação de que a nova estrutura representará
– mais do mesmo – e, neste sentido, deixa de aproveitar a oportunidade
para discutir a questão do abandono gradativo do aspecto da legalidade e
a ampliação dos estudos sobre a eficiência, eficácia e efetividade das
ações dos governos.
Perde-se, portanto, a oportunidade de discutir o excessivo apego ao
exame e fiscalização sobre as entradas, os recursos e não sobre as
saídas, os resultados. A ser mantida a atual situação significa que o
cidadão continuara financiando escolas com base no numero de alunos
matriculados e num fatídico percentual da receita de impostos sem
qualquer relação com o custo-aluno; a assistência social em função do
número de atendimentos e os departamentos de polícia com base nas
estimativas próprias de pessoal necessário para combater o crime.
Ocorre que este critério não valoriza os resultados e, em conseqüência,
pouco importa como as crianças se saem na escola, ou quantas pessoas
finalmente conseguem se empregar e deixar de receber o seguro
desemprego, ou em quanto foram baixados os índices de criminalidade.
Na realidade a proposta da PEC mais parece uma cômoda transferência das
responsabilidades sob o argumento de que agora sim a coisa vai
funcionar. Entretanto, mantido o modelo legalista vigente em breve
estaremos às voltas com a mesma questão: escolas, instituições de
assistência social e departamentos de policia ganham mais dinheiro do
orçamento à medida que fracassam, ou seja, quando as crianças vão mal, o
desemprego aumenta e a taxa de criminalidade sobe.
Assim, ao invés de fazer uma cisão do atual Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro talvez fosse interessante que todos os responsáveis
refletissem sobre uma observação que certa vez foi feita por John
Maynard Keynes de que “a dificuldade reside não tanto em ter novas
idéias, mas em escapar das antigas……
Fonte:
[i] MONNIER, Eric. Evaluation de l`action des pouvoirs publics,
Economica, Paris, 1992.
[ii] DERLIEN, Hans-Ulrich. Genesis and structure of evaluation efforts
in comparative perspective. Publishers, NewBrunswick, 1990
[iii] MACHETE, Rui. A administração publica, in Estudos de Direito
Público e Ciencia Política, Fundação Oliveira Martins, Lisboa, 1991.
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