Manobra para adiar despesas e disfaçar rombo é interrompida; cresce o risco de um déficit nas contas do setor público em 2014
O governo vai descumprir, pelo terceiro ano consecutivo, sua principal promessa na área fiscal. O ano terminará com a menor economia para pagamento de juros da dívida (superávit primário) desde a introdução do conceito, em 1998. Assim, aumentou o risco de encerrar 2014 com um déficit nas contas públicas.
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, atribuiu o fracasso do esforço fiscal ao ritmo lento da economia, o que reduziu a arrecadação federal, e à elevação dos gastos com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em 2014, a economia entrou em recessão, com duas quedas seguidas do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral. A arrecadação cresceu apenas 0,7% em termos reais, já descontada a inflação, entre janeiro e setembro deste ano em comparação a igual período de 2013. Já as despesas do PAC aumentaram, mas, isso não explica toda a piora das contas públicas.
Nos meses de agosto e setembro, despesas sociais, como abono salarial e Bolsa Família, e previdenciárias, como os benefícios da Previdência Social, aumentaram muito. As despesas com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que banca o abono salarial e o seguro-desemprego, estavam oscilando em cerca de R$ 4 bilhões ao mês entre janeiro e julho. Mas saltaram a R$ 9,7 bilhões em agosto (alta de 108%) e, agora, a R$ 6,5 bilhões (alta de 50% na comparação com a média até julho).
Os gastos com benefícios previdenciários dispararam: 22% entre agosto e setembro. O déficit da Previdência acumulou R$ 47 bilhões entre janeiro e setembro. Detalhe: o governo prevê, até hoje, que o déficit será de R$ 40,6 bilhões em 2014. A estimativa, que será abondonada oficialmente neste mês, era considerada otimista até por técnicos do Ministério da Previdência, que entraram em atrito com a Fazensa no início do ano.
Pedaladas. Esse aumento de gastos em agosto e setembro pode ser explicado com a "despedalada fiscal". O Tesouro estava atrasando o repasse de recursos para os bancos, notadamente a Caixa Econômica Fedral, realizarem pagamentos de despesas sociais e previdenciárias - a chamada "pedalada fiscal". O objetivo era melhorar artificialmene as contas públicas. Agora, o governo passou a pagar o que estava atrasado e também começou a repassar o dinheiro em dia. Isso ajudou a deteriorar as despesas federais. As pedaladas estão sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
O chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Tulio Maciel, lembrou que a instituição usa o chamado cálculo estrutural (que exclui as "pedaladas") para fazer sua análise de política fiscal. "As perspectivas do início do ano eram de que o setor público não teria pressão para a política de juros. Maciel admitiu, entretanto, que o resultado divulgado ontem "vai no sentido" expansionista, com impacto sobre essa política. Não à toa, o BC voltou a elevar a taxa de juros nesta semana, na tentativa de controlar a inflação.
Para 2015, porém, Tulio Maciel afirmou que, o cálculo estrutural convergiria para a neutralidade ao fim do próximo ano. Essa fórmula do BC leva em conta o impulso fiscal de um ano para o outro. Apesar de haver expectativa de que esse impulso será maior em 2015, depois do desempenho negativo deste ano visto até agora, Maciel disse que outras variáveis também compõem essa equação, como o chamado PIB potencial, as receitas correntes e as receitas não recorrentes.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
|