RIO - Um decreto estadual que dificulta o acesso do cidadão a
informações públicas deixou o Rio de Janeiro com o pior desempenho em
uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas para avaliar a
transparência de portais governamentais e o cumprimento da Lei de Acesso
à Informação. Realizado pela Escola Brasileira de Administração Pública
e de Empresas (Ebape) e pela FGV Direito Rio, o estudo incluiu 138
órgãos públicos de Executivo, Legislativo e Judiciário dos estados de
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro (incluindo capitais), Distrito
Federal e da esfera federal.
O resultado geral do levantamento, para todos os órgãos
consultados pela FGV, foi de 69% de atendimento, com 57% de precisão nas
respostas. Os pesquisadores consideraram precisas as respostas que
atenderam exatamente ao que foi questionado. Entre órgãos públicos do
Estado do Rio, seja do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, dos
65 pedidos de informação encaminhados, só 25 (38%) foram respondidos. O
nível de precisão nas respostas atingiu 18%. Entre esses órgãos estão
secretarias estaduais, polícias Militar e Civil, o Tribunal de Justiça
do Estado e a Assembleia Legislativa.
A FGV enviou 453 pedidos de informação ao longo de um ano.
Os pesquisadores levantaram questionamentos a respeito de contratos
celebrados com dispensa de licitação, gastos com publicidade,
gratificações direcionadas a servidores públicos, entre outros temas.
Em Minas Gerais, houve 74% de retorno aos pedidos e 61% de
precisão nas informações. Em São Paulo, o nível de atendimento foi de
80%, com 73% de precisão nas respostas. No DF, houve 81% de taxa de
resposta e 62% de precisão.
Considerando apenas as capitais, órgãos públicos com
jurisdição na cidade do Rio de Janeiro (como prefeitura, Câmara de
Vereadores e Tribunal de Contas do Município) também tiveram o pior
desempenho. Só 27% dos pedidos receberam resposta, e a taxa de precisão
nas informações foi de 17%. Na cidade de São Paulo, 80% das questões
foram respondidas, com 62% de precisão; e em Belo Horizonte, houve
resposta para 63% das questões, com 55% de precisão.
Órgãos federais tiveram o melhor resultado: 83% das perguntas enviadas foram respondidas, com 76% de precisão.
Em relação apenas ao Poder Executivo, o estado e o município
do Rio também aparecem em último lugar na pesquisa. Na esfera estadual,
34% dos pedidos tiveram resposta, com 18% de precisão. Na capital, a
taxa de respostas ficou em 23%, com apenas 9% de precisão. O decreto
estadual 43597/2012, assinado pelo então governador Sérgio Cabral, exige
que o pedido de informação seja “protocolado no órgão ou entidade que
tenha os documentos pretendidos”. A obrigação presencial vai na
contramão da lei federal, que, em seu artigo 10º, diz que todo canal
legítimo pode ser usado para enviar pedidos, ou seja, as informações
podem ser solicitadas por e-mail, telefone, carta ou da forma que o
cidadão considerar viável. Procurado pelo GLOBO, Sérgio Cabral não foi
encontrado para comentar o caso.
— O decreto do Rio é ilegal e está fora dos padrões da Lei
de Acesso à Informação. E o município seguiu esse padrão, o que
dificulta, também na cidade, o acesso a informações públicas — afirma
Gregory Michener, professor da Ebape e coordenador da pesquisa.
Para o coordenador do Programa de Transparência Pública da FGV, Rafael Velasco, o decreto é “incompatível” com a lei:
— É um caso em que o ente federado excedeu o poder regulamentar dele para tornar mais restritivo o acesso à informação.
O diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão, corrobora:
— É inadequado (a obrigação presencial) e uma forma de não cumprir a lei.
Um bacharel em Direito, que mora do Rio e prefere não ser
identificado, vivenciou bem de perto, recentemente, essa falta de
transparência. Aprovado no concurso público do Tribunal de Contas (TCE)
do Rio de Janeiro, em 2012 — e sem ter sido convocado até o ano passado
—, ele decidiu enviar um requerimento ao órgão, em setembro de 2013,
pedindo informações sobre o quadro de funcionários (quantidade, total de
efetivos, comissionados) e respectivas remunerações. Usou como base a
Lei de Acesso a Informações. O pedido, no entanto, foi negado.
— O próprio presidente do TCE, na sua posse, disse que o
órgão tinha muito trabalho e poucos funcionários. Como havia passado no
concurso para o cadastro de reservas e não fui chamado, quis pedir
informações que, em tese, são públicas. Porém, o órgão, que deveria ser o
primeiro a implantar a Lei de Acesso à Informação, não foi transparente
— diz o bacharel, acrescentando que o TCE argumentou que as informações
já constavam no site do órgão e que a divulgação dos salários invadia a
privacidade dos funcionários.
Diante da negativa, o bacharel em Direito impetrou um
mandado de segurança, no fim do ano passado, no Tribunal de Justiça do
Rio, que negou, em agosto passado, com os mesmos argumentos. Dessa vez, a
decisão foi do desembargador Luiz Zveiter.
O advogado Nereo Matos, que defende os interesses do
bacharel, já recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base da
Lei da Transparência.
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Na avaliação dos pesquisadores, outro problema para a
obtenção de dados públicos no Brasil é que os órgãos não adotaram
plataformas digitais específicas para o encaminhamento dos pedidos, o
que dificulta o acesso de quem busca informação. Michener destaca ainda
que a lei brasileira exige a identificação do solicitante. No México,
cuja legislação no setor é considerada das mais avançadas, não é
necessário se identificar.
— O acesso a informações públicas é um direito fundamental. A
exigência de identificação pode fazer com que o solicitante seja
intimidado ou discriminado — analisa o professor da Ebape.
Segundo Francisco Javier Acuña, comissário do Instituto
Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados, entidade mexicana
independente, o anonimato é uma condição básica:
— O direito à informação é autônomo, não importa quem peça.
Além de constar na análise geral, o Poder Judiciário foi
alvo de um capítulo específico da pesquisa. Os analistas mandaram 264
questões para 40 cortes brasileiras, incluindo os tribunais de Justiça
dos estados, os tribunais regionais federais e os tribunais superiores. O
melhor desempenho foi o do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que
respondeu a todos os questionamentos, com 83% de precisão. Na outra
ponta do ranking, dez tribunais (TRF da 1ª Região, além dos tribunais de
Justiça de Sergipe, Rio Grande do Norte, Bahia, Rio Grande do Sul,
Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá e Pará) apresentaram zero de taxa de
precisão. Os tribunais dos três últimos estados sequer responderam.
A Prefeitura do Rio informou que todas as solicitações
feitas com base na Lei de Acesso estão sendo respondidas e atendidas.
Sobre o mau resultado da pesquisa, a prefeitura afirma que publicou em
junho uma norma que permite ao cidadão requerer sua demanda em um só
local ou pela internet. Já o governo estadual diz que instituiu, em cada
órgão público, uma comissão de servidores para atender aos pedidos e
que, de 2012 para cá, respondeu a todas as 120 solicitações de
informação recebidas. Questionado, o governo não informou se pretende
revogar o decreto.
Saiba mais sobre a lei
O QUE É
Lei de Acesso a Informações (lei 12.527): sancionada pela
presidente Dilma Rousseff em novembro de 2011, entrou em vigor em 16 de
maio de 2012 e regulamenta o direito do cidadão de obter informações
públicas
VALE PARA
Órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de
todos os níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal).
Também abrange os Tribunais de Contas, Ministério Público, autarquias,
fundações e empresas públicas, sociedades de economia mista controladas
direta ou indiretamente pela União, estados, Distrito Federal e
municípios, além de instituições privadas sem fins lucrativos que
recebem recursos públicos
GARANTE ACESSO A INFORMAÇÕES
De interesse coletivo, salvo as confidenciais; endereços e
telefones dos órgãos públicos, além de horários de atendimento; dados
sobre programas, ações, projetos e obras
COMO OBTER
Os pedidos não precisam ser justificados. O requerente deve
se identificar. O serviço é gratuito. As informações de interesse geral
deverão ser divulgadas, obrigatoriamente, nos sites governamentais
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PRAZO PARA RESPOSTA
Deve ser dada imediatamente, se disponível, ou em até 20
dias, prorrogáveis por mais dez. Caso a informação esteja sob sigilo, é
direito do requerente obter o inteiro teor da negativa de acesso. Se for
parcialmente sigilosa, fica assegurado o acesso, por meio de certidão,
extrato ou cópia dos dados, com ocultação do trecho protegido.
Fonte: Jornal O Globo
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