Com o fim da Copa do Mundo, a organização dos Jogos Olímpicos entrou
na mira do Tribunal de Contas da União (TCU), que vive uma queda de
braço com um dos mais longevos "cartolas" do país. O tribunal acusa o
comitê organizador da Rio 2016, presidido por Carlos Arthur Nuzman, de
"sonegação de informações fundamentais" para apurar eventuais riscos às
contas públicas na realização do megaevento. Também foi posto em xeque
um dos principais contratos do comitê: a construção do empreendimento
imobiliário Ilha Pura, formado por 31 torres de 17 andares e conhecido
como "Vila dos Atletas".
De acordo com relatório dos auditores encarregados de fiscalizar o
panorama de receitas e despesas dos Jogos, o comitê se recusou a
entregar documentos capazes de dimensionar o risco de déficit
operacional do evento.
Excluindo-se os gastos com infraestrutura urbana, a realização da
Olimpíada foi estimada em R$ 7 bilhões. Quando deram aval à candidatura
do Rio de Janeiro, as três esferas de governo se comprometeram com
aporte de US$ 700 milhões - cerca de R$ 1,8 bilhão. O subsídio está
sendo concedido via "transferências de obrigações", como construção de
arenas e instalações para várias modalidades.
O restante do dinheiro para fechar a conta dos jogos, conforme a
candidatura, virá da iniciativa privada: patrocínios, venda de
ingressos, licenciamento de marcas e repasse de verbas do Comitê
Olímpico Internacional (COI). Conforme a Lei 12.035 de 2009, batizada de
"Ato Olímpico", caberá ao poder público - União, Estado e Prefeitura do
Rio - a responsabilidade por cobrir eventual "déficit operacional" dos
jogos. Por esse motivo, o tribunal fiscaliza suas contas.
Na última reunião ordinária do TCU, na quarta-feira, o plenário deu
prazo de cinco dias úteis para que os responsáveis pela organização dos
jogos enviassem as informações requeridas, sob pena de aplicação de "ato
sancionatório" ao presidente do comitê. A área técnica do tribunal
sugeriu que Nuzman - que preside o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) há
quase 20 anos - fosse multado imediatamente, mas o ministro relator,
Aroldo Cedraz, achou por bem dar mais tempo ao dirigente.
Foram requeridos, por exemplo, a versão mais recente do orçamento
apresentado na candidatura da cidade, bem como a folha de pagamento do
Comitê Rio 2016 referente aos últimos 12 meses. O TCU também quer ter
acesso aos detalhes de todos os contratos celebrados desde a criação do
comitê.
A falta de transparência dos organizadores é criticada no relatório. O
TCU classifica de "preocupante" a posição da União que, como
garantidora de eventual déficit na realização dos jogos, encontra-se "à
mercê dos atos de gestão" do comitê. "A entidade é incipiente no que
concerne à transparência de sua gestão, afastando-se do seu equivalente
inglês", diz o documento, em referência à Olimpíada de Londres, em 2012.
Em nota, o Comitê Rio 2016 rejeitou a falta de transparência e
garantiu ter enviado, na última quinta-feira, as informações
solicitadas. "Em cinco anos de atividades, o Comitê não utilizou nenhum
tipo de recurso público. Trata-se de um fato histórico em mais de 100
anos de Jogos Olímpicos. Muito nos orgulha o fato de termos chegado tão
longe nesta jornada apenas com recursos da iniciativa privada. Além de
uma gestão transparente, o Comitê apresenta um orçamento equilibrado,
despesas iguais às receitas", diz a nota.
Entre as principais preocupações do TCU está o gasto do comitê com a
"Vila dos Atletas", em construção na Barra da Tijuca por uma joint
venture entre as construtoras Odebrecht e Carvalho Hosken. O modelo de
ocupação do local, que após a competição vai se transformar em um
condomínio residencial com três mil apartamentos, preocupa o TCU. Isso
porque, durante a candidatura do Rio, a Carvalho Hosken se comprometeu a
cobrar, no máximo, US$ 18,9 milhões (R$ 47 milhões) pelo aluguel do
empreendimento. No entanto, após alterações no projeto, a empresa e o
comitê definiram um hermético modelo de usufruto do condomínio por 17
meses, prazo tido como necessário para a adaptar o local à ocupação dos
atletas.
Pelo que ficou acordado, em vez do aluguel, o comitê se
responsabilizou pelo pagamento de parte dos juros incidentes sobre o
financiamento que a Caixa Econômica Federal concedeu ao empreendimento. A
nova operação vai custar aos organizadores dos jogos R$ 254,9 milhões,
valor quase seis vezes superior ao aluguel acertado inicialmente
combinado.
A elevada diferença "em favor da empreiteira", segundo o TCU, enseja
riscos de perdas para os cofres públicos. O tribunal questiona a
legalidade do modelo de usufruto para a cessão da vila. "Embora não seja
possível verificar a intenção das partes ao adotarem o aludido direito
real, é certo que a alternativa mais consentânea com a realidade fática
consistiria no contrato de locação", diz o relatório.
Questionada, a Carvalho Hosken informou que "não recebeu e nem
receberá" qualquer recurso da Rio 2016 para disponibilização da Vila dos
Atletas.
Fonte: Jornal Valor Econômico
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