SÃO PAULO E PORTO ALEGRE — A possibilidade de que empresas
investigadas pela Operação Lava-Jato façam acordos de leniência com a
Controladoria-Geral da União (CGU) divide a opinião de criminalistas e
advogados especialistas em Direito Econômico. Há quem afirme que aderir
ao acordo seria uma manobra para evitar a proibição de participar de
licitações públicas e de pagar multas altas. Outros advogados acham que
as empreiteiras não enxergarão vantagens em fornecer ao governo provas
que ajudariam o Ministério Público a manter presos seus sócios,
presidentes e diretores.
No
fim de semana, entidades que representam auditores de controle externo
divulgaram nota na qual argumentam que os acordos de leniência podem
evitar punições às companhias envolvidas em escândalos de corrupção na
esfera penal e seriam um “instrumento para salvar empresas acusadas de
atos ilícitos”. A nota foi uma resposta às declarações do advogado-geral
da União, Luís Inácio Adams, que havia dito o oposto. Segundo ele, o
acordo “não isenta o criminoso” e as provas colhidas podem ser usadas no
processo penal.
As regras para o acordo de leniência estão previstas no
artigo 16 da Lei 12.846, chamada de Lei Anticorrupção, que foi
sancionada em agosto de 2013, mas ainda não foi regulamentada pelo
governo federal. Segundo o texto, a empresa que adere ao trato só paga
um terço da multa a que seria condenada, e é liberada de duas punições
administrativas: a publicação da decisão condenatória e a proibição de
receber verbas públicas. Em troca, compromete-se a identificar os
envolvidos na infração e a fornecer provas.
Segundo os advogados ouvidos pelo GLOBO, a lei não impede
que o MP investigue a atuação dos funcionários das empresas e peça a
punição deles na esfera penal. Isso significa que esses empregados serão
punidos com base em informações prestadas pelas companhias onde
trabalham, o que pode ser um entrave para a aplicação do instrumento, na
opinião do criminalista Antônio Ruiz Filho, secretário-geral adjunto da
seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP):
— Na minha visão, a Lei Anticorrupção teve uma preocupação
grande com a pessoa jurídica, livrando-a de qualquer consequência
administrativa, mas seus funcionários ficam expostos. A lei não prevê
qualquer desmembramento na área criminal. Então, não impede o MP de
tomar as providências que achar necessárias, usando, inclusive, as
provas fornecidas pela empresa no acordo.
A advogada Isabel Franco, responsável pela área
anticorrupção do escritório Koury Lopes Advogados, lembra que nos
Estados Unidos, onde os acordos de leniência estão mais consolidados, os
executivos das empresas também são protegidos pela lei, o que aumenta
sua eficácia:
— Nos Estados Unidos, a empresa coopera, entrega documentos,
mas não é obrigada a admitir o ilícito. Como ela não admite que cometeu
crime, não fornece provas contra seus executivos. Mas tem obrigação de
treinar os funcionários e assumir boas práticas concorrenciais.
Para o jurista Modesto Carvalhosa, autor de livros sobre a
corrupção, o temor das entidades que representam os auditores é que a
CGU firme acordos sem dar o devido prosseguimento ao processo da Lei
Anticorrupção:
— Tem pessoas falando que estão com medo que o governo faça
acordos fracos. Mas não é assim. Não é pagar uma multinha e tchau. A
empresa precisa confessar, entregar provas.  
CADE JÁ FAZ ACORDOS DE LENIÊNCIA
A
previsão de acordos de leniência na Lei Anticorrupção foi inspirada na
experiência já realizada pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), ao apurar crimes que afetam a concorrência entre
empresas. Como são geridos por outra lei, a 12.529, de 2001, os
processos de leniência no Cade cancelam a denúncia criminal em três
tipos de delito contra a ordem tributária e na prática de cartel.
O professor Pablo Rodrigo Alflen, coordenador do Núcleo de
Estudos de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), diz que a lei “deixa brechas” para que as
empresas escapem das penalidades estabelecidas pela legislação:
— É preciso haver uma boa integração entre os órgãos de investigação para que a lei não seja usada contra o interesse público.
Fonte: Jornal O Globo
|