Gorette Brandão
Os estados de Alagoas e Pernambuco enfrentam no
momento as consequências de chuvas intensas e inesperadas. No entanto, por mais
que sensibilize e comova muitos brasileiros, a tragédia tem se repetido ao
longo de décadas no Nordeste e outras regiões do país. E é do tipo que poderia
se comparar ao enredo de um dos mais célebres romances de Gabriel Garcia
Marquez: Crônica de Uma Morte Anunciada.
A diferença é que na obra do escritor colombiano os
habitantes de uma pequena cidade poderiam ter avisado o personagem Santiago
Nasar de seu iminente assassinato, mas não o fazem, por motivos fortuitos ou de
outra ordem.
No caso das catástrofes brasileiras, os avisos tem sido
constantes. Em abril último, por exemplo, mais um alerta poderia ter motivado
indagações sobre a qualidade das políticas públicas necessárias à prevenção e
diminuição dos efeitos de catástrofes naturais ou causadas pela ação humana.
Partiu do Tribunal de Contas da União (TCU). O
órgão auxiliar do Poder Legislativo divulgou auditoria sobre o sistema de
defesa civil em nível nacional. Realizada a partir de requerimento aprovado
pelo Senado, a investigação apontou falhas graves.
A disparidade na distribuição de recursos por
estados e municípios para ações de prevenção foi um dos problemas constatados.
A auditoria apurou que, entre 2004 e 2009, cerca de R$ 933 milhões foram
comprometidos com obras e serviços, sendo efetivamente aplicados R$ 357,8
milhões. A Bahia foi atendida com a maior parcela dos recursos liberados (37%).
Mato Grosso recebeu 17%, São Paulo 8,9% e Rio de Janeiro, que sofreu este ano
com chuvas fortes e deslizamentos de terra, somente 0,65%. Sempre atingido por
enchentes, o estado de Santa Catarina recebeu apenas 0,7%.
Para o TCU, é preciso explicitar os critérios de
transferência, não havendo na situação atual elementos para explicar repasses
tão concentrados em tão poucos estados. A destinação dos recursos é feita pelo
Ministério da Integração, órgão central do sistema. Faz parte da estrutura
desse ministério a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), órgão
operacional do sistema encabeçado
pelo Conselho Nacional de Defesa Civil e que integra unidades de defesa civil
de estados e municípios.
Emergências
No que se refere às transferências para ações
emergenciais, a constatação é de que os recursos recebidos são sempre
insuficientes para o restabelecimento da normalidade nas áreas de desastre. Dos
gestores ouvidos pelo TCU, 59% destacaram que os recursos não permitem
recuperar todos os estragos. Assim, a restauração se prolonga no tempo, na
dependência de outras fontes de recursos.
O TCU apontou outros entraves nas atividades
coordenadas pela SEDEC, como o reduzido número de servidores; o baixo número de
inspeções; a falta de conhecimento sobre os mecanismos para requisição de
recursos por parte dos funcionários dos municípios; deficiências nos sistemas
informatizados do órgão; e a falta de integração entre os órgãos da União e dos
demais entes federativos.
O déficit de funcionários, notadamente no
Departamento de Respostas aos Desastres, seria causa de grande atraso no exame
das demandas dos estados e dos municípios. Conforme o TCU, devido a esse
problema, 249 convênios deixaram de ser firmados em 2008.
Na área de inspeção, o déficit de pessoal dificulta
o acompanhamento das obras e a devida prestação de contas. Em relação ao plano
de trabalho de 2008, o TCU apurou que 62% dos convênios para reconstrução e
ações de resposta a desastres ainda estavam sem análise sobre as aplicações
feitas.
Planos de trabalho
A equipe de auditores verificou ainda que os
funcionários públicos de estados e municípios pouco conhecem os mecanismos para
requisição de recursos em situações de desastres - processo iniciado com a
declaração de estado de calamidade e concluído com a aprovação dos planos de
trabalho. Assim, os recursos são liberados com processos incompletos e até sem
a aprovação dos planos.
Entre os municípios pesquisados, em 77% havia
alguma unidade para atividades de defesa civil. No entanto, na prática, esses
órgãos não eram estruturados para atuar. Em 41% dos municípios, havia no máximo
3 funcionários, nem sempre em dedicação exclusiva.
O estudo requisitado pelo Senado permitiu constatar
ainda que poucos municípios contam com mapeamento de áreas de risco, uma
exigência do Plano Nacional de Defesa Civil e dos Planos Diretores Urbanos.
Entre 2004 e 2008, apenas 44 cidades do país concluíram seus mapeamentos e,
contraditoriamente, apenas sete tiveram acesso a recursos do Ministério da
Integração para as obras recomendadas.
Orçamento
Do ponto de vista parlamentar, iniciativas de lei
que abordam questões de defesa civil muitas vezes prevêem medidas conjunturais,
para áreas específicas atingidas. Como o sistema de análise de matérias exige
deliberações em sucessivas comissões antes do exame final, essas matérias
acabam ficando defasadas no tempo. Entre os que apresentam objetivos mais
abrangentes, no entanto, pode ser citado projeto do senador Raimundo Colombo
(DEM-SC) que prevê direitos para municípios sob calamidade.
Pelo texto original (PLS 85/09), o município que se encontrar sob calamidade terá
prorrogação de 90 dias para pagar qualquer dívida com a União, suas fundações e
empresas. Além disso, receberá antecipadamente uma cota-parte do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), sem desconto posterior, assim como a
garantia de execução de todas as despesas previstas a seu favor no Orçamento da
União do período. Por último, os moradores do lugar poderiam levantar recursos
de suas contas do FGTS.
A proposta recebeu parecer favorável na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), na forma de um substitutivo preparado
pelo senador Antonio Carlos Junior (DEM-BA). Agora, será examinada na Comissão
de Assuntos Econômicos (CAE), em decisão
terminativa.
Fonte: Agência Senado
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