RIO — Suponha que você administre um jardim zoológico e precise contratar uma empresa para ajudar a cuidar dos animais. Escolheria uma voltada para a construção de edifícios ou aquela que se especializou no aluguel de catracas eletrônicas? Pois bem, no caso da Fundação RioZoo, as duas opções são verdadeiras. No ano passado, o maior contrato assinado pela instituição, no valor de R$ 3 milhões por um ano, foi com a Quadran Rio Projetos e Construções, para "manejo de fauna".
Na Receita Federal, sua atividade principal registrada é fazer prédios. E o seu site é todo voltado para a divulgação dos eventos onde realizou controle de acesso por "ingressos com código de barras e cartões magnéticos". Tanto a RioZoo quanto a empresa negam qualquer irregularidade, alegando que a firma também possui em seu contrato social a atividade de trato dos bichos.
De acordo com um levantamento realizado pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB), somente a RioZoo já pagou cerca de R$ 20,5 milhões para a Quadran desde 2002. Tanto para a locação de catracas quanto para a contratação de mão de obra, houve diversos casos de dispensa de licitação. Os atuais contratos para o auxílio do manejo de fauna e do sistema de ingressos no jardim zoológico (R$ 276 mil por três anos), porém, foram consequência de pregões, uma modalidade de licitação.
Na terça-feira, repórteres do GLOBO estiveram no Zoo, na Quinta da Boa Vista, durante uma tarde inteira. Foram vistos diversos funcionários da Singular, empresa de limpeza, e da VS Brasil, que cuida da vigilância do local. Apenas dois com uniformes da Quadran foram encontrados nas áreas abertas ao público. O edital da licitação vencida pela empresa prevê que 66 tratadores estejam diariamente em atividade, de 7h às 16h ou de 8h30m às 17h30m. Em nota, a Fundação RioZoo alegou que "os trabalhadores da Quadran têm suas frequências verificadas diariamente, exercendo suas atividades em locais fora da área de visitação como cozinha dos animais, Diretoria Técnica, fundo de jaula, entre outros locais restritos".
PÁGINA NA INTERNET VOLTADA PARA CATRACAS
No site da Quadran (http://www.quadran.com.br/), há apenas informações sobre o fornecimento de catracas eletrônicas. Como uma lista com mais de uma dezena de eventos realizados pela empresa, entre eles shows de Luan Santana, Thiaginho e Ivete Sangalo. O dono da firma, Ricardo Vannier, foi procurado na sede, uma casa no Rio Comprido, mas deu sua justificativa por e-mail: "O site visitado não é da Quadran Rio Projetos e Construções, e sim da empresa Quadran Serviços Ltda". O GLOBO constatou, porém, que o domínio está registrado em nome da Quadran Rio Projetos e Construções, que funciona no mesmo endereço da outra firma citada.
Nas buscas em Diários Oficiais e sites de transparência, não foi localizado nenhum outro contrato da Quadran nos últimos cinco anos com os governos federal ou estadual do Rio. Para trato de animais, além da RioZoo, só foram encontrados dois contratos assinados sem licitação, em 2006 e 2007, com a Secretaria municipal de Saúde, que somaram pouco mais de R$ 1,3 milhão.
Sobre os mais de R$ 20,5 milhões em contratos com a Quadran, a RioZoo alegou que "todos foram arquivados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM)". Mas, segundo consulta feita no site do TCM, pelo menos o atual, para o manejo da fauna, encontra-se em fase de diligência, ou seja, ainda está sob análise.
Casos curiosos de empresas ligadas à Fundação RioZoo não chegam a ser inéditos. Em 2013, O GLOBO mostrou que a firma que prestava serviços de limpeza na época, a Comando Alfa Materiais, Acessórios, Equipamentos e Serviços, tinha como sede uma loja de bijuterias na Rua do Catete. A Comando Alfa recebeu R$ 1,8 milhão por um ano, mas o seu contrato terminou no fim de 2014 e não foi renovado.
IRMÃO DE PRESIDENTE DA CÂMARA É DIRETOR
Numa crise que parece se agravar a cada ano, a Fundação RioZoo está há mais de cinco anos nas mãos de pessoas ligadas ao atual presidente da Câmara de Vereadores, Jorge Felippe (PMDB). Entre 2010 e 2011, quem esteve na presidência da instituição foi Mônica Valéria Blum Rocha, que já foi funcionária de Felippe em seu gabinete no Legislativo. De 2011 até hoje, Sérgio Felippe, irmão de Jorge, é quem está com o cargo.
Um olhar mais atento sobre os principais cargos de direção da RioZoo também leva a nomes que têm ligação com o vereador. O atual diretor de Administração e Finanças, Lincoln Senra, já trabalhou com Felippe no gabinete da Presidência da Câmara em 2013. O diretor técnico, Marcus Delgado, e o assessor jurídico, Murilo Provençano, foram doadores de campanha de Jorge Felippe Neto (PSD), eleito deputado estadual no ano passado.
Em nota, a assessoria de imprensa de Jorge Felippe afirmou que ele "não tem qualquer influência política nas indicações do RioZoo".
A fundação também enviou nota reforçando a competência de seus administradores: "Em relação às nomeações questionadas, esclarecemos que o diretor de Administração e Finanças é servidor concursado da Secretaria municipal de Fazenda, já tendo ocupado diversos cargos de direção na administração pública municipal desde a década de 1980". Sobre Sérgio Felippe, destacou que ele "já exerce nos últimos 40 anos cargos de direção nas esferas federal, estadual e municipal, todos compatíveis com sua formação profissional".
PPP DEVE SER FEITA EM ATÉ DOIS MESES
Em fevereiro deste ano, o Ministério Publico Federal fez uma inspeção no jardim zoológico e detectou diversos problemas, como caçambas com lixo a céu aberto, que atraem moscas e urubus, e recintos necessitando de reformas.
No capítulo mais recente para tentar resolver a crise no Zoo, a prefeitura anunciou no dia 13 de maio um edital que pode resultar numa Parceria-Público-Privada (PPP) para administrar o espaço, que conta com aproximadamente 2.100 animais. De acordo com a Secretaria Especial de Concessões, que está à frente do processo, em até dois meses toda a documentação deve estar pronta para que sejam realizadas uma consulta e uma audiência pública a fim de tratar do tema.
Fonte: O GLOBO ON LINE.
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