O caixa está no volume morto

Em sua sala em um acanhado prédio de quatro andares no centro do Rio de Janeiro, Gustavo Barbosa, presidente do Rioprevidência, acompanha em tempo real em seu computador a cotação do barril do petróleo. Como o sujeito que joga na loteria, Barbosa torce por uma improvável alta no preço do barril, hoje esta na casa dos US$49 - sem nenhuma base na realidade. Barbosa não é um operador de banco que controla posições em títulos derivativos.

O preço do petróleo lhe interessa porque gera royalties que abastecem o caixa do instituto de previdência sob sua responsabilidade, encarregado de pagar benefícios a 260mil aposentados e pensionistas. Do ano passado para cá, devido a queda no valor do barril de petróleo a Rioprevidência encolheu de R$5 bilhões para R$3 bilhões. " O gestor de previdência nunca traz notícia boa", diz Barbosa.

Desanimado, o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, faz uma triste constatação. "Gastarei R$17 bilhões para pagar 260mil aposentados e pensionistas e R$19 bilhões para a segurança, saúde e educação, para atender 16 milhões de fluminenses", diz, em tom de lamento. E o Rioprevidência é responsável por apenas metade da dor de cabeça financeira de Pezão. No primeiro  semestre, a receita corrente líquida do Rio de Janeiro caiu 11% e a arrecadação do ICMS, a principal fonte de dinheiro, 10%. Os royalties do petróleo devem chegar a apenas R$5,7 bilhões neste ano contra R$8,7 bilhões no ano passado. As despesas sobem, mas a receita só cai. Nas contas iniciais, o rombo a ser fechado nesta ano é de R$5 bilhões. O caixa do Rio está no volume morto.

A quebra do Rio Grande do Sul, há anos com contas em desordem, expôs a fragilidade dos Estados brasileiros diante da crise econômica. No mês passado, as agências internacionais de classificação de risco rebaixaram o Rio de Janeiro de volta a classe de nível especulativo. Em março de 2010, quando acabara de sair um ajuste fiscal promovido por um certo Joaquim Levy e o barril de petróleo custava US$114, o Rio de Janeiro foi o primeiro Estado do Brasil a receber grau de investimento da agência de classificação de risco Standard & Poor's. Agora, com as contas desarrumadas e o petróleo a US$49, a situação é feia. Afora a queda no preço de seu principal produto e a crise econômica no país, a Operação Lava Jato agravou o quadro, ao paralisar o setor do petróleo, responsável por um terço do PIB do Estado.

O governo do Rio de Janeiro só conseguirá pagar os salários dos servidores em dia - uma ameaça que ronda diversos governos estaduais - porque obteve autorização para usar R$7,2 bilhões que deveriam ficar guardados nos bancos como garantia de pagamento de decisões judiciais. "Atravesso com tranquilidade até abril com o pagamento em dia, vendendo a dívida ativa do Estado", diz Pezão "E ainda estou conversando com a Mirian (Belchior, presidente da Caixa), tentando adiantar R$2 bilhões dos royalties a que o Rio tem direito".

O risco de inadimplência é tanto que o governo cogita arcar com o desgaste de cortar o popular bilhete único, que custa anualmente R$650 milhões em subsídios. Em Março o governo já suspendeu o subsídio do metrô, o que fez o bilhete aumentar de R$3,20 para R$3,70. Como vários colegas, Pezão busca dinheiro de formas diversas. Propôs à Petrobrás que parte da dívida com o Estado seja paga em óleo diesel, querosene, gasolina e asfalto. Aos supermercados, ofereceu a possibilidade de pagarem dívidas tributárias em gêneros alimentícios, que podem ser usados na merenda escolar, no rancho da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e presídios. "O que importa é receber", diz Pezão. Quem aceita a negociação ganha anistia de multa e desconto de até 60% nos juros de mora.

Com isso, o governo espera arrecadar cerca de R$1,1 bilhão até o fim do ano. O Rioprecidência, aquele caixa que só dá notícia ruim, cortou 5.800 pensões pagas a filhas solteiras de contribuintes, consideradas irregulares - o que rendeu uma economia de R$350 milhões anuais. Agora ataca o caso de viúvas que se casaram novamente e de legatários, pessoas escolhidas para receber pensão de ex-funcionários que ganharam o benefício, mesmo após a Constituição considerar a medida ilegal.

No desespero, os administradores recorreram àquelas mágicas comuns quando as coisas apertam nos governos. O Estado fez um clássico "termo de ajuste de conduta tributária", que permitiu arrecadar R$1,5 bilhão, e uma operação com a dívida ativa, que rendeu mais de R$2 bilhões extras. Há ainda uma lei qu permite ao governo compensar as dívidas que tem com empresas concessionárias de serviços por impostos que estas têm a pagar. Não pode faltar, é claro, aquela busca por dinheiro no bolso da população. Na semana passada a Assembleia Legislativa aprovou a elevação da alíquota do IPVA - mais imposto na veia - , que vai render R$500 milhões extras em 2016. O Estado estuda também vender uma fatia Cedae, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos. Ainda assim, o cenário de incerteza persiste.

Pezão tem saudades dos dias bons que viveu no governo. Em 2010, o petróleo estava em alta e o Rio de Janeiro vencera a disputa pelas Olimpíadas de 2016; com as UPPs, os índices de criminalidade caíam; o governo federal investia maciçamente em infraestrututra, PAC e metrô. A situação de 2015 é radicalmente oposta. Não há nada disso na praça, nem à vista. O governo federal só chama Pezão para pedir apoio a presidente Dilma Rouseff; dinheiro, que é bom, nada. Após os cortes e apertos feitos neste ano, o rombo previsto de R$13,5 bilhões caiu para cerca de R$2 bilhões. Ninguém sabe, no entanto, o que será de 2016, como admite o sercretário da fazenda, Júlio Breno; "No que isso vai dar? Não sei. A receita é probabilística. a despesa é determinística".

Fonte: Revista Época

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