Em debates sobre competitividade,
empresários costumam brincar que as companhias carregam como maior sócio
o governo brasileiro, em referência à alta carga tributária do País. A
irreverência se tornou mais frequente neste ano, em meio à sanha
arrecadatória nas diversas esferas da administração, como resposta aos
rombos nas contas públicas. Somente o governo federal prevê um déficit
superior a R$ 70 bilhões em 2015, incluindo o pagamento das pedaladas
fiscais do ano passado.
A busca por receitas, no entanto, esbarra
na capacidade dos contribuintes de arcar com mais custos e na
dificuldade da máquina pública em fazer com que as cobranças sejam
efetivamente honradas. A conta das pendências tributárias de empresas e
pessoas físicas com a União vem crescendo nos últimos anos e alcançou a
incrível cifra de R$ 1,5 trilhão em agosto, o equivalente a um ano de
arrecadação. Tradicionalmente, o índice de recuperação desse montante se
mantém abaixo de 2% do total e os recursos levam anos para retornar ao
Tesouro.
Mas no momento em que o secretário da Receita Federal,
Jorge Rachid, e toda a equipe econômica se desdobram para encontrar
novas fontes de receita, a cifra passou a ser encarada como um tesouro
dormente, que precisa ser acessado e convertido em arrecadação. O
estoque exorbitante dos débitos acumulados pelos contribuintes é um
símbolo das ineficiências brasileiras. De um lado, o governo tem a
expectativa de receber uma montanha de recursos, mas não sabe se vai
conseguir fazê-lo nem quanto tempo demorará.
De outro, empresas
convivem com a insegurança de carregar passivos tributários que podem
representar risco para a própria sobrevida. “É uma ineficiência total,
consequência de uma alta carga tributária e de um sistema complexo e
burocrático”, diz Achilles Frias, presidente do Sindicato dos
Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Quando uma empresa deixa
de pagar um tributo, é notificada e tem 90 dias para regularizar a
situação. Se não o faz, entra para um cadastro de inadimplentes que
impede a contratação de financiamento público e o uso de benefîcios
fiscais.
Com um pouco de sorte, o governo consegue o pagamento ao
longo de anos, por meio dos programas de parcelamento que vem sendo
abertos com frequência nos últimos anos. Se nem isso resolver, a Justiça
vira a única forma de cobrança, na qual a tramitação é morosa. Um
estudo de 2011 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
mostrou que os processos duram, em média, quase dez anos e têm 25% de
chance de recuperação. Nessas condições, as ações só valeriam a pena
para pendências acima de R$ 21 mil. Em 2014, o governo recuperou R$ 20,6
bilhões, 1,36% do total.
Com o estado de penúria das finanças
públicas, parlamentares passaram a olhar as dívidas passadas como uma
alternativa ao ajuste fiscal. Como o estoque supera a casa do trilhão, a
conclusão é de que qualquer avanço terá efeito superior ao das medidas
já apresentadas. Em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que mudanças no rito de cobrança dos
devedores está entre as reformas previstas. “Quem deve tem de pagar seus
impostos”, afirmou Levy. “Aquele que paga em dia evita aumento de
impostos.”
Soluções discutidas há anos no governo agora estão
próximas de sair do papel. A principal é uma nova lei de execução
fiscal, para acelerar o processo e desafogar a Justiça. A novidade será
permitir que a localização dos bens para bloqueio seja feita pela
própria Fazenda e não pelo Poder Judiciário. “Uma das coisas importantes
é que só vamos ajuizar o que tiver probabilidade de cobrança”, diz Luiz
Roberto Beggiora, diretor de gestão da Dívida Ativa da União.
“Esperamos aumentar em muito a arrecadação.” A expectativa é que o
projeto seja aprovado no Congresso em 2016.
No Legislativo, o tema
também ganhou importância. Uma comissão especial montada no início do
ano vem debatendo ao menos três projetos de lei que tratam da melhora na
cobrança. Na última semana, deputados da base apresentaram um
novo texto que visa autorizar a securitização do estoque de dívida, ou
seja, uma forma de repassar, com desconto, os títulos atrasados a
instituições financeiras para que elas façam a cobrança. A medida
poderia levantar R$ 100 bilhões. Administrações como a do
Estado do Rio de Janeiro e da Prefeitura de Ribeirão Preto recorreram à
alternativa neste ano, mas ainda há dúvidas acerca da sua legalidade.
A Procuradoria da Fazenda Nacional é contra, porque entende que o tema fere preceitos constitucionais.
Enquanto
um novo marco não é definido, o esforço foca em eficiências mais
simples. Em novembro, o limite das dívidas que podem ser levadas a
protesto em cartório passará de R$ 50 mil para R$ 1 milhão. O mecanismo
de “sujar” o nome das companhias permite resolver a cobrança em dias e
alcança um índice de recuperação de 18%. A mudança deve render um
adicional de R$ 4,65 bilhões ao governo.
A partir de dezembro, o
protesto poderá ser feito para qualquer valor – os títulos dos débitos
podem chegar a R$ 14 bilhões. Nem tudo, porém, é possível de ser
recuperado. Levantamento preliminar da Procuradoria com títulos acima de
R$ 10 milhões mostrou que ao menos R$ 140 bilhões não têm chance de
retornar aos cofres públicos. A dificuldade pode ser observada na lista
dos maiores devedores, com nomes como a antiga Parmalat, a Vasp, a Varig
e outras empresas falidas. “Há muito crédito podre, mas ainda assim o
montante que pode ser arrecadado é relevante”, afirma Frias.
Nos
seus cálculos, aproximadamente 60% dos cerca de R$ 400 bilhões
acumulados pelos 500 maiores devedores são passíveis de recuperação. A
Procuradoria tenta avançar na qualificação mais precisa dos débitos ao
mesmo tempo em que trabalha para aprimorar a coleta de informações,
cruzando dados como precatórios (dívida do governo com as empresas),
informações de pagamento de juros sobre capital próprio, além de um
sistema de Big Data. Casos recentes de êxito incluem o bloqueio de bens
do Neymar e do grupo Schain.
Com o esforço, foi possível descobrir
ainda que 800 dos maiores devedores receberam mais de R$ 30 bilhões em
repasses do governo federal, em 2015. Outra possibilidade é fechar o
cerco à sonegação de impostos, que já privou os cofres da União de R$
420 bilhões neste ano, segundo estimativas do Sinprofaz. Na quinta-feira
22, a entidade instalou um “sonegômetro” na Avenida Paulista, em São
Paulo, para chamar a atenção do público ao problema. Cifras como essa
aguçam o apetite de quem tenta encontrar uma solução para o Orçamento.
Com
o impacto da recessão sobre as receitas, a estimativa oficial deve ser
um déficit superior a R$ 70 bilhões. O risco é de que a nova previsão,
que será apresentada pela equipe econômica nos próximos dias, contribua
para acelerar a perda do grau de investimento por uma segunda agência de
classificação de risco, com implicações no nível do dólar e um
consequente impacto no endividamento, inflação entre outros. Por
enquanto, de concreto, resta ao governo tentar recuperar parte do
dinheiro da caixa-preta da dívida ativa.
Fonte: Istoé