Governadores têm pegado carona numa lei aprovada pelo Congresso este
ano e replicado nos estados regras mais permissivas para abocanhar
recursos de uma conta em poder da Justiça avaliada em R$ 127 bilhões.
São depósitos judiciais que, nos últimos meses, diante da crise
financeira que assola o país, viraram alvo de uma corrida dos governos
para tapar buracos nos orçamentos estaduais de 2015. Pelo menos, oito
estados aprovaram leis que estão sendo acusadas de driblar a legislação
federal e aumentar a transferência de recursos para seus caixas. Em
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, essas iniciativas já
resultaram em transferência de R$ 10,5 bilhões de depósitos judiciais
para os cofres estaduais.
Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí e Sergipe também criaram regras próprias
para usar os recursos. Todos os oito estados estão sob a suspeita de
uso abusivo desses depósitos. A Procuradoria-Geral da República (PGR), a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação de Magistrados do
Brasil (AMB) acusam os governos no Supremo Tribunal Federal (STF) de
extrapolar os limites impostos por lei federal, chegando a permitir que
esses recursos — que deveriam ir para o pagamento de precatórios,
dívidas que o poder público tem com cidadãos ou empresas por
determinação da Justiça — sejam gastos com salários de servidores,
cobertura de rombo da Previdência e despesas gerais dos governos
estaduais.
O Rio Grande do Sul, que vive uma das maiores crises fiscais do país,
destinou R$ 1,8 bilhão que recebeu este ano para o custeio do governo.
Minas Gerais, que resgatou R$ 2 bilhões desde março, está pagando
despesas com a Previdência. O mesmo está sendo feito pelo Rio de
Janeiro, que recebeu R$ 6,7 bilhões até agora.
Os demais estados não informaram quanto receberam da “poupança”
generosa administrada pelos Tribunais de Justiça estaduais. Mas a
destinação dos recursos está decidida. Em Sergipe, uma lei de agosto
determina não haver “ordem de preferência” para o uso desse dinheiro. O
governo tem dito que vai usá-lo para quitar salário de servidores. O
estado passa também por uma crise, e a primeira tentativa de
transferência de depósitos para o Tesouro sergipano foi marcada por uma
trapalhada. Cerca de R$ 147 milhões entraram na conta do governo, mas
tiveram que ser devolvidos porque eram de uma outra conta da Justiça que
não a de depósitos judiciais.
Equilibrar as contas da Previdência e bancar as despesas com Saúde
são a intenção do Ceará para a sua cota de depósitos judiciais. Já a
Paraíba pretende usar o dinheiro como garantia para parcerias
público-privadas, contrapartidas para convênios federais e
investimentos.
O governo da Bahia afirmou que não recebeu nenhum recurso em 2015
baseado na lei estadual que trata dos depósitos judiciais. A lei do
Governo do Estado da Bahia autoriza a utilização de 50% do total de
depósitos, metade para precatórios e metade para a previdência. Segundo o
governo, esses recursos ficavam nos bancos e a lei cria um fundo com
regras para utilização, protegendo o depositário (sem risco de calote) e
não apenas dá um alívio imediato de caixa, mas viabiliza um fluxo de
recursos (pois os depósitos sempre crescem) para amenizar o déficit
previdenciário e a continuidade de pagamento dos precatórios.
CNJ EMITIU ALERTA
Depósito judicial é todo
dinheiro depositado em juízo por pessoas, empresas, entidades e poder
público. Ele serve para custear o processo e indenizar o vencedor da
causa após o trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso). Segundo
o Conselho Nacional de Justiça, o total de depósitos judiciais nos
tribunais estaduais é de cerca de R$ 127 bilhões. Preocupado, o CNJ
divulgou no último dia 29 um alerta aos tribunais para que observem a
regra de preferência dos precatórios para a transferência dos depósitos.
— Essas leis estaduais são draconianas. Passou um boi no Congresso, e
agora os governadores querem passar uma boiada nos estados — afirmou o
coordenador de Justiça estadual da AMB, Gervásio Santos.
O interesse dos governadores sobre essa conta bilionária cresceu
depois que o Congresso aprovou no primeiro semestre a Lei Complementar
151. Ela permite a governadores e prefeitos sacarem até 70% de um tipo
específico de depósito judicial (aqueles em que estado e município são
parte da ação) para o pagamento de precatórios. Os outros 30% devem
permanecer intocáveis num fundo de reserva. Para as administrações que
estiverem em dia com precatórios, a lei libera o uso para pagar dívida
pública ou fazer investimentos.
A maioria dos estados não se encaixa nessa situação saudável. Mesmo
assim, governadores elaboraram leis para ajustar a chegada desses
recursos às necessidades imediatas de caixa. A destinação do dinheiro
para despesas que extrapolam o pagamento de precatórios é apenas um dos
problemas apontados nas ações no Supremo. A PGR, por exemplo, defende
que essas leis estaduais são inconstitucionais, porque estados não
poderiam legislar sobre Direito processual.
Em algumas ações, a AMB e a OAB destacam como ilegalidade a
transferência para os cofres públicos de depósitos judiciais referentes a
ações envolvendo entes privados e que nada têm a ver com o Estado. Elas
são a maior parte dos R$ 127 bilhões. É o caso de Minas, Sergipe, Rio
de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Sul. Como a lei federal não trata
desse tipo de depósito, os governadores viram uma brecha para aumentar
os recursos a serem transferidos.
— A forma como eles estão se apropriando desses recursos compromete a
segurança jurídica. Tem que haver garantias claras de que não faltarão
recursos para o pagamento das partes dos processos e que os valores
transferidos irão para precatórios — disse o presidente da Comissão
Especial de Precatórios da OAB, Marco Antonio Innocenti.
O pano de fundo para essa corrida por recursos é a crise fiscal
decorrente da crise econômica. No mês passado, O GLOBO mostrou que 11
estados decidiram aumentar impostos. Mas esses recursos vão entrar no
Tesouro apenas em 2016. Os governadores precisam colocar as contas de
2015 no azul.
No último mês, dois ministros da Corte suspenderam, em caráter
liminar, as transferências de depósitos para Minas Gerais e Paraíba até o
julgamento da ação.
Fonte: Jornal o Globo
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