Dívida pode ultrapassar 80% do PIB até 2018

A dívida bruta, principal indicador fiscal monitorado pelas agências de classificação de risco de crédito, pode encerrar 2018 acima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), um salto de quase 30 pontos percentuais em relação a 2011, primeiro ano do mandato da presidente Dilma Rousseff, segundo cálculos de economistas do setor privado. Nas contas estão estimativas de déficit primário recorrentes até 2018, em alguns casos, e crescimento anêmico do PIB apenas em 2017.

É um cenário distante do que a Moody's classifica como compatível para manutenção do grau de investimento do país, de saldo primário e crescimento em torno de 2%. Ontem a agência de classificação de risco colocou a nota de dívida soberana do Brasil em revisão para possível rebaixamento, citando também a piora da governabilidade.

Mesmo antes do anúncio, que pode levar à perda do selo de bom pagador nos próximos 90 dias, economistas já davam como certa a perda do grau de investimento por uma segunda agência. Em setembro, a S&P rebaixou o país. Para eles, é possível que a dívida só se estabilize depois de 2020 e em nível bastante alto, de cerca de 90% do PIB. Se essa trajetória não necessariamente ameça a solvência do país, já que o Brasil tem pouca dívida denominada em moeda estrangeira, ela certamente limita as chances de recuperação da atividade econômica, dizem.

Para Rafael Ihara, economista do Banco Brasil Plural, a dívida bruta do governo deve aumentar quase 10 pontos em 2015, de 58,9% do PIB para 68,7% do PIB, em uma conta que não considera as despesas para quitar as "pedaladas" de anos anteriores, que poderiam elevar esse número em até 1 ponto percentual. Considerando as projeções do banco para juros, resultado primário e atividade econômica, a dívida continuará em forte trajetória ascendente, ao passar para 76,2% em 2016 e alcançar 81,7% do PIB em 2018.

"Estabilizar o endividamento requer um superávit primário de 2% do PIB, considerando um cenário de crescimento de longo prazo de 2% e juros nominais de 10% ao ano, o que só vemos acontecer em 2024", diz ele.

Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), avalia que, nas condições atuais, o superávit primário teria que ser próximo a 4% do PIB para estabilizar o endividamento. O problema, diz, é que o cenário do Ibre aponta déficit primário até 2017, pelo menos, o que deve levar a dívida bruta a 82,4% do PIB em 2017. O cenário pode ser um pouco pior, caso o deflator do PIB cresça menos que o IPCA, o que é considerado provável, diz.

Fabio Klein, economista da Tendências, também avalia que a dívida pode superar 80% do PIB até 2018. "Nada contribui para estabilizar o endividamento. O custo médio da dívida mobiliária, por exemplo, está em 16% ao ano, acima da Selic [em 14,25% ao ano], o que faz com que as despesas com juros aumentem".

Apesar da rapidez da alta esperada para os próximos anos, a dívida bruta apresenta trajetória ascendente desde 2011. Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria, avalia que os aportes aos bancos públicos, dos quais a maior parte foi destinada ao BNDES, ajudam a explicar essa alta. "O governo não se preocupou com isso porque a dívida líquida foi na contramão", afirma ele, embora o critério que costuma ser mais acompanhado fora do Brasil seja a evolução da dívida bruta. Entre 2010 e 2014, o endividamento bruto subiu 7,1 pontos percentuais, enquanto a dívida líquida caiu 4 pontos.

Vilma, do Ibre, observa que esse indicador, que está em 34% do PIB, tem uma dinâmica diferente por causa da desvalorização do câmbio, que aumenta o valor em reais das reservas internacionais. Já a dívida bruta respondeu à deterioração dos resultados primários, diante de desonerações tributárias e criação de despesas no primeiro governo Dilma.

"Depois de 2011, o saldo das contas públicas foi sustentado por receitas extraordinárias, e isso se esgotou neste ano", afirma Vilma. Pesa contra ainda, segundo ela, o aumento do gasto com despesas sociais, por causa dos critérios pouco rígidos de concessão.

Ihara, do Brasil Plural, avalia que há dois problemas no lado fiscal que agravam a deterioração das contas públicas. O primeiro é a dificuldade de conseguir aprovar medidas relevantes para reverter a trajetória no médio prazo. A outra é o cenário que o banco traça para o crescimento do país, com queda de 3,8% em 2015 e de 2,5% em 2016. "Ao mesmo tempo, a fraca variação do PIB está ligada à dificuldade de implementar o ajuste fiscal, porque causa uma crise de confiança. Então são dois problemas bem relacionados", afirma (ver Tendência de alta é que gera efeito negativo sobre expansão, diz FMI ).

Rafael Bistafa, economista da Rosenberg & Associados, dá como certa a perda do grau de investimento pela Moody's, já que estabilizar a dívida exigiria um ajuste de mais de R$ 200 bilhões em dois ou três anos. Ele lembra que o seguro contra calote do país - (CDS, na sigla em inglês), - já embute corte da nota de crédito soberano em mais dois degraus. A solvência, opina, não está ameaçada por causa da composição da dívida. Boa parte dos títulos está na mão de investidores domésticos e grande parte da dívida é denominada em reais. "Em um cenário extremo, o governo emitiria mais dinheiro para honrar esses compromissos", o que elevaria a inflação.

"Agora, essa trajetória está muito ligada ao cenário de incerteza atual. Os empresários sabem que em algum momento o governo vai precisar ter mais inflação, ou cortar gastos ou aumentar impostos para equacionar o problema", diz Bistafa.

Klein, da Tendências, critica o fato de que não há plano claro para enfrentar esse cenário. "Estamos restritos à agenda de curto prazo, sem olhar para os problemas estruturais, como vinculação de despesas, regra de reajuste do salário mínimo, déficit crescente na Previdência." Para ele, as mudanças estruturais requeridas para que as contas públicas voltem a ter dinâmica sustentável no longo prazo dependem de liderança e apoio político hoje inexistentes. "Não tem ambiente para implementar essas mudanças, que não são fáceis, porque mexem com grupos de interesse. No curto prazo, o governo não consegue fazer muito mais do que cortar investimentos e elevar receitas extraordinárias."

Um eventual governo de transição, caso o processo de impeachment aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), resulte em queda da presidente Dilma Rousseff, poderia melhorar a capacidade de articulação política do governo, afirma Klein, ainda que esse seja um processo "traumático", o que torna difícil desenhar qualquer cenário.

Ihara, do Brasil Plural, avalia que é difícil imaginar um governo de transição forte o suficiente para ter facilidade de aprovar as "maldades" necessárias para seguir em frente com o ajuste fiscal. "É difícil fazer esse tipo de especulação."

Fonte: Valor Econômico

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