Uma liminar permitiu ontem o arresto de R$ 265,6 milhões dos cofres do
governo do Estado do Rio para o pagamento antecipado dos salários do
Judiciário. Foram confiscadas verbas até do Hospital Pedro Ernesto, já em crise. O calendário do
governo previa o pagamento de todo o funcionalismo no sétimo dia útil do
mês. A Justiça sequestrou ontem R$ 265,6 milhões dos cofres do estado para pagar os
salários de janeiro do próprio Poder Judiciário. Segundo o estado, o
dinheiro foi retirado das contas de fundos especiais que não podem ser
utilizados para pagamento de pessoal. Pela manhã, o juiz da 9 ª Vara de
Fazenda Pública, Bruno Vinicius Bodart, usou um programa especial, que
lhe dá acesso às contas do Banco Central, e retirou o dinheiro, que, no
mesmo dia, foi transferido para magistrados e demais servidores do
Judiciário. Em seu despacho, o juiz fez a ressalva de que o valor não
poderia ser sacado de verbas destinadas à educação, à saúde e à
segurança. O Executivo afirmou que vai recorrer da decisão.
O governo estadual informou que a verba saiu das contas do Fundo
Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom), do Fundo Especial da Polícia
Militar (Funespom) e do Fundo Especial de Recursos Hídricos. Segundo o
estado, até recursos das fundações Leão XIII e da Infância e
Adolescência (FIA) e do Hospital Pedro Ernesto também foram sacados, o
que contrariaria a decisão do juiz, de não retirar dinheiro da saúde.
O arresto do dinheiro piorou ainda mais o clima entre o Judiciário e o
Executivo. A briga não é de hoje. O mal-estar começou a se agravar em
dezembro, quando o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) ganhou uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF),
cuja decisão ordenava o pagamento do Judiciário até o dia 30. Na semana
passada, o TJ-RJ voltou a pedir ao STF o depósito dos salários. No
entanto, a decisão, que estava nas mãos da ministra Cármen Lúcia, ainda
não havia sido apreciada. Faltando apenas um dia para o término do prazo
de pagamento, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário
(SindJustiça/RJ) entrou com uma liminar pedindo o arresto nas contas do
governo. A medida foi deferida por Bodart poucas horas depois.
O constitucionalista e presidente da comissão de Direito Econômico da
OAB/RJ, Leonardo Vizeu, disse que o ato de retirar recursos de fundos
especiais, que são vedados para pagamento de pessoal, caracteriza crime
no âmbito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):
— Houve sequestro de verba pública sem autorização do Legislativo e sem
previsão do Executivo. Esse tipo de decisão não poderia ter sido tomada
por um juiz de primeira instância. Ele deveria ter se declarado
incompetente. Resta saber se o estado vai pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que apure responsabilidade pelo ato.
Vizeu explicou ainda que o Judiciário não pode ordenar despesas sem ter as respectivas rubricas:
— O Fundo dos Bombeiros é taxa e só pode ser usado para equipar o Corpo de Bombeiros.
O governo reagiu com irritação. Em nota, o governador Luiz
Fernando Pezão classificou a decisão como arbitrária, e disse que ela
“foi proferida por juiz que possui interesse direto no desfecho da
causa, ao ser beneficiário financeiro dos efeitos de sua decisão e a ele
ter sido creditada parte dos recursos arrestados indevidamente de
fundos estaduais”.
Para o governador, o julgamento da ação caberia ao STF, conforme
prevê o artigo 102, alínea “n”, da Constituição Federal. O secretário
estadual de Governo, Paulo Melo, fez coro:
— O juiz atuou em causa própria e passou por cima do STF.
A decisão de Bodart veio dois dias depois de o Órgão Especial do
TJ negar um pedido de empréstimo do Fundo Especial do Tribunal, feito
por Pezão, para garantir o pagamento do Judiciário até hoje. O
governador se comprometeu a devolver o dinheiro no sétimo dia útil de
fevereiro, quando estava previsto o pagamento de todo o funcionalismo,
após a mudança de calendário imposta este ano. Ao rejeitar o pleito, o
presidente do tribunal, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, disse que
usar o dinheiro do fundo para pagamento de pessoal seria uma ilegalidade
e um péssimo exemplo.
Também em nota, o presidente do tribunal diz que é importante
garantir autonomia entre os poderes e que, no arresto das contas do
estado, foram preservadas verbas destinadas à saúde, à educação e à
segurança.
Em outra decisão, a Justiça do trabalho ordenou a penhora de R$1,9 milhão do estado para pagamento
de 240 médicos de UPAs. A ação foi movida pelo Sindicato dos Médicos do
Rio.
Fonte: Jornal O Globo
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