Enquanto a arrecadação de royalties e participações
especiais de petróleo no Estado do Rio cresceu 1.800% em valores
correntes entre 1999 e 2015, o recolhimento de seu principal tributo, o
ICMS, ostenta vigor bem mais discreto. Segundo dados do Conselho
Nacional de Política Fazendária (Confaz), nesse período, a receita do
Rio com ICMS subiu 356% em valores correntes, passando de R$ 7,229
bilhões para R$ 33,033 bilhões. É a menor variação entre os 27 estados e
o Distrito Federal.
Os números mostram que o Estado do Rio, nos últimos anos, contou com
os bilhões que passou a receber de royalties desde 1999, como resultado
da mudança na Lei do Petróleo, passando a adotar uma política tributária
de incentivos e pouca atenção à arrecadação do ICMS que, segundo os
especialistas, não rendeu os frutos esperados. Em 16 anos, a valores de
hoje (atualizados pelo INPC), o estado recebeu R$ 114,9 bilhões em
royalties e participações especiais sobre campos de petróleo, segundo
dados do InfoRoyalties, base de dados elaborada pela Universidade
Candido Mendes em Campos (Ucam-Campos).
Os incentivos tributários criados na última década, por sua vez,
ganharam força ano após ano. Somente entre 2008 e 2013, a renúncia
fiscal chegou a R$ 32,4 bilhões, destaca estudo feito pela Secretaria de
Fazenda do Estado do Rio. Mas, apesar do esforço de atração de novas
empresas na última década, a economia do Rio ainda continua dependente
do petróleo, que responde atualmente por 33% de seu Produto Interno
Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país).
Subsídios na cadeia de óleo e gás
Essa dependência resiste mesmo à atual crise no setor de petróleo, que
derrubou os preços do barril no mercado internacional e reduziu em 40%
os royalties obtidos no ano passado, agravando ainda mais a crise fiscal
do Rio. A forte retração da indústria petrolífera abala ainda a
arrecadação de ICMS: 15,5% da receita fluminense com o tributo vêm do
setor.
José Vianna, professor de pós-Graduação em Planejamento Regional e
Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes, em Campos, lembra que a
renúncia fiscal acabou não compensando, já que hoje o estado sofre com a
falta de recursos oriundos do petróleo, agravada ainda com a paralisia
do setor decorrente da Operação Lava-Jato. Segundo ele, nem sempre a
atração de um grande empreendimento se reflete no aumento de outros
serviços ao redor, gerando, assim, mais tributos para os cofres
públicos.
Além disso, o Estado tem um aumento de custos, com o investimento em
infraestrutura para atender a um novo empreendimento e para manter essas
melhorias. No atual cenário, as políticas de renúncia fiscal precisam
ser reavaliadas, ainda mais em um momento de queda no preço do petróleo.
O panorama fica ainda pior se levarmos em conta que muitos
investimentos subsidiados no Rio nos últimos anos foram polarizados pela
cadeia de óleo e gás, como os portos logísticos, o complexo
petroquímico, o setor naval e a siderurgia — disse Vianna.
Icms zero por até dois anos
O especialista, no entanto, reconhece que a renúncia é fruto da chamada
guerra fiscal dos estados, que baixam os valores do ICMS para atrair
empresas. Exemplos não faltam. Em alguns casos, montadoras tiveram ICMS
zero por até dois anos e laboratórios de tecnologia tiveram isenção de
impostos para a compra de equipamentos. Além disso, 29 municípios
oferecem hoje ICMS reduzido — a alíquota chega a 2% dependendo do setor —
para ajudar na atração de companhias. Ao todo, 51 cidades estão
enquadradas na lei que permite a redução e que foi criada em 2005 pela
então governadora Rosinha Garotinho e que sofreu adaptações ao longo dos
governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.
Margarida Gutierrez, professora da UFRJ especializada em finanças
públicas, destaca que o efeito das renúncias fiscais sobre a economia
pode ser frágil, causando apenas custo aos cofres públicos.
As desonerações têm que ser embasadas em uma política industrial complexa.
A situação fica mais difícil enquanto as contas ficam cada vez mais
dependentes da renda do petróleo, que tem sido muito volátil.
Levantamento feito pelo gabinete do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha
(PSDB-RJ), a pedido do GLOBO, mostra que o peso do ICMS sobre o total
arrecadado pelo estado diminuiu nos últimos anos. Em 2002, o ICMS
representava 53,49% dos ingressos nos cofres estaduais, que ficaram em
R$ 19,2 bilhões naquele ano. A fatia do ICMS na receita caiu conforme o
peso dos royalties aumentou. No ponto mais baixo da série histórica, o
imposto chegou a responder por 40,5% da receita estadual, em 2013. No
ano passado, com a queda do petróleo e a crise no setor, o ICMS voltou a
responder por mais da metade da arrecadação, com fatia de 56,7% no
orçamento.
O peso dessa dependência aparece nos resultados do ano passado.
Considerando a receita efetivamente recebida pelo estado (e não apenas
as previsões em orçamento), o volume de ICMS subiu apenas 1,5%, variação
bem inferior à inflação do período. Já a receita com royalties
despencou 38%. A expectativa para este ano é de nova retração, de 28%,
considerando petróleo a US$ 30 o barril e dólar a R$ 4.
R$ 7 bilhões em dívidas de empresas
Para o deputado Luiz Paulo, que é de oposição, faltou ao governo uma estratégia para lidar com a falta de recursos do petróleo:
Até a Arábia Saudita (maior produtora mundial de petróleo) está
fazendo seu dever de casa, com a criação de um fundo soberano, mas o
Estado do Rio está inerte.
O governo, no entanto, afirma estar tomando ações para aumentar a
receita. Um dos projetos é melhorar a cobrança de impostos devidos por
empresas. Em agosto do ano passado, a Secretaria de Fazenda criou um
polo de cobrança amigável, responsável por negociar com devedores que
reconhecem os débitos, mas não regularizam suas dívidas. A estimativa é
que o governo estadual tenha cerca de R$ 7 bilhões a receber. Até agora,
1.600 empresas foram contatadas, e menos de 10% desse montante foi
negociado: R$ 615 milhões, em pagamentos à vista e parcelados. A
expectativa é que o polo funcione de forma permanente.
Enquanto isso, os incentivos fiscais estão hoje no radar da Alerj, que
tem um projeto de lei para suspender os benefícios por dois anos. O
projeto, que já recebeu 50 emendas, saiu da pauta de votações para ser
reavaliado pelos deputados. Enquanto a proposta não sai do papel,
François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, também
critica o volume de renúncias feitas pelo estado. Segundo ele, muitos
benefícios são concedidos a setores que não são economicamente
rentáveis.
Com a crise econômica e a dos royalties, não resta dúvida que as
renúncias fiscais atrapalham. E isso agrava o quadro fiscal atual do Rio
— destaca Bremaeker.
Nos últimos meses, a crise fiscal se aprofundou de tal forma que o
governo estadual atrasou o pagamento de funcionários públicos e deixou
de pagar, este mês, a aposentadoria de servidores públicos com salários
acima de R$ 2.000. Ao todo, 137 mil aposentados e pensionistas só devem
receber até 12 de maio.
Segundo o deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ), que integrou a
Comissão de Orçamento na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) quando
era deputado estadual, houve falta de cuidado na concessão de tantos
incentivos fiscais no estado nos últimos anos.
Houve inclusão de municípios sem qualquer análise. Houve falta de
responsabilidade, que foi disfarçada por conta da bonança dos royalties
do petróleo. Hoje, o Rio colhe os frutos do atual quadro fiscal, pois
não houve um cuidado para se preparar para uma mudança de cenário, como a
que ocorre hoje. Era preciso analisar os setores que seriam razoáveis
para receber benefícios. E a situação hoje ainda é pior porque os
royalties sempre foram usados para o pagamento de despesas e de
aposentadorias, quando deveriam ser usados apenas na diversificação da
economia — destacou Molon.
Fonte: O Globo