Presidente do Rioprevidência, Gustavo Barbosa é sincero quanto ao tamanho da crise enfrentada pelo governo do estado. Em entrevista ao EXTRA, o contabilista e especialista em fundos de pensão garante ter esgotado todas as possibilidades de cortar gastos e aumentar receitas do fundo. E o cenário, que hoje já é assustador, tende a continuar assim por, no mínimo, cinco anos.
Hoje, o que o Rioprevidência pode fazer para amenizar o déficit nas contas?
Nós esgotamos todas as nossas opções. Se não tivéssemos feito as operações financeiras dos últimos anos, talvez esse cenário negativo já pudesse ter acontecido. É uma tendência. Houve uma conjuntura, em 2015, em que tivemos queda de arrecadação com royalties de petróleo e participações especiais (compensações pagas pela União aos estados produtores), além da queda de arrecadação do Estado. Não tenho previsão de aumento da arrecadação com os ativos do fundo, ao passo que as despesas aumentaram em mais de 200% com o reajuste dos benefícios. Não posso dizer que existe uma solução mágica. É uma luta diária. Eu sou gestor de fluxo de caixa. O alento é que a curva do déficit não aumentará para sempre. O processo é para os próximos anos.
Por quantos anos...
Cinco anos ou até mais. Esta evolução tem algumas variações. Vou dar o exemplo do mês passado. O preço do barril do petróleo sofreu elevação, o que possibilitou aumentar a receita em R$ 50 milhões. Mas vamos depender do (financiamento do) Tesouro Estadual por um bom tempo. Para você ter uma ideia: com o melhor momento dos royalties, em 2013, recebíamos R$ 5 bilhões líquidos para o Rioprevidência. Se tivesse esse cenário hoje, abateria isso de um déficit de R$ 12 bilhões. Ainda teria de superar um rombo de mais de R$ 7 bilhões. Não é simples.
Com a pressão sobre muitos secretários de governo nos últimos meses, o senhor teme perder o cargo em função da crise previdenciária?
Meu cargo é do governador. Eu gosto muito do trabalho que faço, mas é o governador quem decide isso. Até agora, nenhum deputado ou grupo veio aqui pedir minha saída, formal ou informalmente. O meu cargo é de livre exoneração, e o governador tem direito sobre ele. Reforço que gosto do que faço. Tem dia que é horrível, a exemplo do dia (em abril) em que anunciamos que não poderíamos pagar (os vencimentos de março) a todos (inativos e pensionistas). Se o governador desejar, vou continuar.
Sobre a decisão de não pagar os 137 mil inativos e pensionistas do Estado, qual foi a sua posição a respeito?
Eu estava presente? Sim. Mas foi uma decisão de governo. Não cabe a mim dizer quem defendeu o quê. Eu, como gestor do Rioprevidência, acato uma decisão de governo. É obvio que não fiquei satisfeito. Ninguém ficou. Não vou entrar no mérito se foi certo ou errado. Mas a dificuldade vai permanecer. É importante explicar que um colegiado discutiu isso. Foi o pior dia da minha vida profissional. Mas eu imagino que tenha sido para o governador, para o secretário de Fazenda (Julio Bueno) e para todos que trabalharam para decidir o que seria feito. Estou falando algo pessoal. Nós tínhamos vários cenários, mas a decisão foi tomada em conjunto. É claro que eu me posiciono, mas prevalece a decisão do colegiado. Vou sempre respeitá-la. Foi uma escolha difícil demais.
Mas vocês já previam um cenário de não pagamento?
Vislumbrávamos uma situação ruim, mas a de não pagar inativos era impensável. Em 2015, já houve um parcelamento (dos salários de novembro, pagos em duas parcelas em dezembro). Aquele momento já antecedia esse processo. Por todo o trabalho que fizemos, todos se sentiram muito mal. Para você ter uma ideia, se dividíssemos o valor em caixa entre todos os servidores, eles receberiam R$ 400 cada um.
Como o Estado quitou suas obrigações nos últimos anos?
Em 2013, tivemos a venda de royalties e participações futuras para o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal. Em 2014, foi a captação de recursos com a venda de ativos no mercado internacional. No ano seguinte, recebemos os valores dos depósitos judiciais repassados pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). Essas operações colocaram no Rioprevidência mais de R$ 10 bilhões (valor exato de R$ 15,3 bilhões), e esse valor pagou aposentadorias e pensões. Este ano, estamos umbilicalmente presos ao Tesouro Estadual.
O Estado está sem saída?
O que eu posso dizer é que a saída está difícil. Falar que não há saída é para fechar o boteco. Precisamos atacar aspectos que o Estado não tem como fazer. A busca principal é a reforma da Previdência, e isso é algo federal (é preciso que a União proponha as mudanças e envie a matéria para a aprovação do Congresso Nacional, gerando um efeito-cascata sobre os funcionalismos estaduais e municipais). A dinâmica da Previdência do servidor precisa ser repensada. Aposentadoria, em média, com 56 anos é relativamente jovem. Paralelo a isso, o estado precisa buscar melhorar a receita. Agora, estamos em crise, e o Estado sofre. A travessia está difícil, com alguns tropeços até aqui, mas não vamos desistir.
Sobre a captação de recursos no exterior feita pelo Rioprevidência, qual a sua avaliação sobre a operação?
Nós temos uma receita de royalties, e definimos um limite para venda (de títulos para investidores estrangeiros). Chamo isso de capacidade de emissão. Eu vou pagar até aqui, e a garantia do comprador é essa flutuação do preço do barril do petróleo (a previsão era de preços em alta pelos próximos anos). Quando o preço cai até um patamar perigoso (como agora), existem regras estabelecidas em contrato que protegem o investidor e o Rioprevidência. O que vivemos hoje decorre dessa queda do valor do barril no mundo (o que reduziu os ganhos que o Estado esperava ter). Estamos pagando um valor maior (aos investidores), mas estamos diminuindo o tempo para quitar essa antecipação. Isso está previsto em contrato.
Mas o Estado não poderia imaginar que o barril do petróleo teria essa queda?
O pior cenário era de U$ 67. Em junho de 2014, quando fizemos a captação de recursos (com a venda dos títulos), não tinha nenhum analista que apostasse no barril a U$ 28. Analista de retrovisor é uma beleza. Insisto em dizer que a operação foi proposta para que a gente sofresse o menor dano possível. O que se pode questionar é a estratégia do governo de captar recursos. Lembrando que isso foi aprovado pelo Legislativo nos orçamentos daqueles anos. A pergunta é: o que poderia acontecer se não tivéssemos feito isso, se o Tesouro Estadual tivesse que bancar a Previdência naquela época.
O senhor mencionou o aumento da despesa do fundo...
Sim. Nós tivemos um aumento de despesa previdenciária robusto. Isso é importante salientar. A despesa passou de R$ 5,7 bilhões, em 2007, para 17,2 bilhões, em 2016 — um m aumento de 200% em menos de uma década.
Mas, em 2014, o governo ofereceu reajustes a diversas categorias. Não foi, em parte, culpa do governo?
É engraçado. Quando você não aumenta salários, todo mundo bate. Quando aumenta, batem também. A evolução se dá por alguns motivos. Em 2007, quanto entramos, não existia revisão de pensão. Os aposentados tinham reajustes, e os pensionistas, não. Nós tínhamos 70% dos pensionistas ganhando um salário mínimo. Fizemos uma revisão das pensões, cujo total passou de R$ 70 milhões, em 2007, para R$ 303 milhões, em 2016. Tivemos que revisar 66 mil de (um universo de) 80 mil pensões. Isso influencia. Ainda tem a questão do piso para os professores. E isso vai se somando. Hoje, temos mais inativos do que ativos no Estado do Rio.
O senhor concorda quando dizem que o Rioprevidência é uma caixa-preta, que ninguém sabe o que acontece de fato? Muitos deputados da Alerj alegam isso.
É estranho alguém falar isso. Fui a todas as audiências para as quais me chamaram na Alerj e mostrei a evolução financeira do fundo. Nenhum deputado pode falar que é uma caixa-preta. Apresentamos as receitas e as despesas. Com os servidores foi da mesma forma, sem qualquer indisposição. Todas as informações estão no nosso site.
Fonte: Jornal Extra
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