A crise financeira que levou os cofres do Rio a uma situação de penúria equivale a dizer que o orçamento do estado recuou uma década. A previsão de receita de R$ 58,8 bilhões este ano, na prática, significa que o governo só tem para gastar em 2016 o valor corresponde ao que tinha em 2007 (corrigido pelo IPCA), quando o ano fechou com despesas de R$ R$ 35,5 bilhões. O levantamento das contas do estado foi feito a pedido do GLOBO pela Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
O fenômeno é resultado da drástica queda de arrecadação e, consequentemente, de cortes que reduziram os investimentos. Quase a totalidade da receita deverá ser destinada ao pagamento de salários. A folha de servidores ativos e inativos deverá consumir R$ 41,5 bilhões. Além disso, há ainda a dívida do estado com a União, cujo serviço exigirá este ano R$ 9,7 bilhões. O valor restante (R$ 8 bilhões) será usado para o custeio da máquina administrativa.
GASTOS COM PREVIDÊNCIA DOBRARAM
Um quadro ruim que nem está garantido e pode ficar ainda pior, se as contas não forem controladas e a receita cair ainda mais.
— O estado acreditou no engodo de que o pré-sal seria a solução de todos os seus problemas e, confiante, aumentou gastos. Mas não foi assim e, com isso, voltamos à realidade de 2007 — observa o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), se referindo à crise do petróleo, cujo preço caiu no mercado internacional, causando uma redução na receita de royalties do Rio.
De 2007 para cá, o estado aumentou de tamanho e a folha de pessoal e inativos cresceu, em muitos casos por necessidade de setores essenciais, como segurança e saúde. Uma série de programas e projetos também foram criados.
O gasto com aposentados e pensionistas do Rioprevidência mais que dobrou entre 2007 e 2015: saltou de R$ 5,7 bilhões para R$ 13,2 bilhões. No mesmo período, as receitas previdenciárias (descontadas na folha dos servidores) subiram de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,2 bilhões.
Na área de segurança, o custo também aumentou. Na Polícia Militar, por exemplo, o efetivo saltou de 37.950, em 2007, para 49.234 no ano passado, o equivalente a um aumento médio de 1.100 homens por ano. De lá para cá, foram instaladas 38 Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), nas quais atuam 9.543 policiais. Como consequência, as despesas com segurança também cresceram: subiram de R$ 4,3 bilhões, em 2007, para R$ 9,8 bilhões no ano passado.
Na educação, o número de matrículas caiu de 1,3 milhão, em 2007, para cerca de 760 mil este ano, segundo dados do Censo Escolar da Comissão de Educação da Alerj. Apesar da procura menor pela rede pública, os problemas de caixa são grandes.
Na saúde, foram criadas 58 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), sendo 29 delas administradas pelo estado. Também foram inaugurados seis hospitais, o Instituto Estadual do Cérebro e o Rio Imagem. Hoje, a rede estadual de saúde tem 3.758 leitos de terapia intensiva e enfermaria. Para o Conselho Federal de Medicina, no entanto, houve redução do número de leitos na rede hospitalar de 6.095, em 2007, para 3.695 até dezembro do ano passado. A Secretaria estadual de Saúde contesta os dados.
Para além dos efeitos externos da crise, especialistas consultados pelo GLOBO apontaram alguns dos principais motivos que agravaram a situação do caixa estadual. Um deles é motivo de críticas: o reajuste concedido pelo estado em 2014 para 49 categorias acabou por impactar demasiadamente a previdência, devido à lei da paridade, que obriga que os inativos também sejam contemplados com o aumento. Somado a isso, o governo ainda fez operações de antecipação de royalties no mercado financeiro para cobrir o rombo da previdência. Para pagar essas medidas, o estado gastará somente este ano R$ 1,6 bilhão dos royalties.
Outro problema apontado se refere ao investimento nas UPAs, que têm perfil de atendimento voltado para urgência e emergência, o que é uma atividade tipicamente municipal. O custo de cada unidade gira em torno de R$ 1 milhão mensais. Também foi observado que pesou o impacto dos gastos com obras de infraestrutura para grandes eventos, como Copa e Olimpíadas. Os empréstimos tomados para garantir esses compromissos acabaram levando o estado a superar seu teto de endividamento. O último balanço publicado em abril revelou que a dívida chega a R$ 108 bilhões, ultrapassando o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. O artifício foi usado para concluir obras importantes, como a Linha 4 do metrô e a reforma do Maracanã.
O especialista em administração pública e professor da UFF, Claudio Gurgel, também acredita que o estado gastou demasiadamente apostando no sucesso das receitas do pré-sal e na dos royalties do petróleo:
— Os gestores foram perdulários, apesar de que foram feitos muitos investimentos importantes na área de infraestrutura. Entendo que agora o principal neste momento é o estado focar na renegociação da dívida com a união, para aliviar as contas.
Para o especialista em finanças da UFF, Paulo Corval,o governo precisa focar no corte de despesas da máquina:
— O governo deve planejar medidas de cortes de cargos comissionados e estudar políticas de favorecimento de demissão e de enxugamento das secretarias.
Em nota, a Secretaria estadual de Fazenda informou que a redução das despesas a níveis de 10 nos atrás "reflete o forte ajuste que já está ocorrendo no custeio do Estado como consequência da grave crise financeira que tem afetado não apenas o Rio, mas todo o país. A escassez de recursos, com a consequente necessidade de corte de gastos, explica a redução ocorrida especialmente em 2015 e 2016".
Ainda de acordo com o comunicado, no que diz respeito à arrecadação, a despeito de todos os esforços de geração de receitas extraordinárias e melhoria no sistema fazendário, a depressão econômica e a queda nos preços do petróleo continuam afetando fortemente, desde o segundo semestre de 2014, a arrecadação de ICMS e de royalties do estado. Infelizmente, a situação se agravou ainda mais a partir do segundo semestre de 2015, por causa do aprofundamento da crise econômica brasileira.
Fonte: Jornal O Globo

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