O cenário que parecia estar encaminhado ganhou ares de preocupação. A dois meses da Olimpíada, a inadimplência do estado com a União ameaça a conclusão da Linha 4 do metrô (Barra-Ipanema), um dos compromissos do Rio para os Jogos. O empréstimo de R$ 989 milhões do BNDES ainda não foi liberado porque precisa do aval do Tesouro Nacional. E ele só será dado se o estado apresentar documentos que comprovem sua capacidade de honrar compromissos financeiros, o que ainda não foi feito.
Em nota, o estado informou ontem que o empréstimo é “primordial” para o término das obras do metrô, que já têm 95% de execução. A inauguração da Linha 4 está marcada para 1º de agosto, quatro dias antes dos Jogos. Na sexta-feira, o secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira, disse, em entrevista ao “RJ-TV”, da Rede Globo, que a obra não pode atrasar nem mais um dia.
A secretaria estadual de Transportes afirma que “aguarda o aval final do Ministério da Fazenda para a contratação do financiamento, já aprovado pelo BNDES”. No entanto, o banco e o Tesouro Nacional esclarecem que o empréstimo ainda não foi autorizado porque o governo do Rio não apresentou as garantias.
Nos bastidores do Palácio Guanabara, comenta-se que não há solução técnica para o problema. O estado tem dificuldades de caixa para pagar as dívidas com o governo federal. Anteontem, o secretário de Fazenda, Julio Bueno, e a procuradora-geral do Estado, Lucia Lea, estiveram no Ministério da Fazenda. Segundo uma fonte do governo estadual, uma das propostas estudadas seria liberar o dinheiro por meio de uma Medida Provisória do presidente interino, Michel Temer (PMDB). O mecanismo abriria caminho para o Rio se endividar, de modo a cumprir um compromisso olímpico. Contudo, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impede a concessão de crédito a estados inadimplentes.
— Não é uma questão do estado. Essa obra diz respeito à imagem do país no mundo. Todos aguardam a conclusão, ainda que seja difícil. A solução será política e vai ser dada pela União. A bola está com o Ministério da Fazenda — disse uma alta fonte do Palácio Guanabara.
SEM MARGEM PARA ENDIVIDAMENTO
Outra questão polêmica que pode dificultar o acesso aos recursos é o limite de endividamento do estado. No fim do mês passado, um relatório de gestão fiscal dos primeiros quatro meses do ano indicava que o governo teria estourado o teto de 200% da relação entre a dívida e a receita líquida. Porém, o estado recalculou esse número, trazendo o endividamento do Rio de volta ao patamar permitido pela LRF. Com isso, a proporção entre a dívida e a receita seria de 191%.
No entanto, esse número pode variar, já que uma parte dos empréstimos foi contraída em moeda estrangeira. De acordo com um balanço publicado no Diário Oficial, há pelo menos 23 empréstimos contratados junto a organismos internacionais como BID, Bird e CAF. Entre eles, está o financiamento para o programa de despoluição da Baía de Guanabara, feito em 1994.
Os problemas de inadimplência do Rio com a União se agravaram na semana passada, quando o estado deixou de pagar uma parcela de R$ 8 milhões de um contrato com uma agência francesa de fomento. O compromisso teve de ser pago pelo Tesouro Nacional, deixando o Rio numa espécie de lista de maus pagadores.
Para a economista Margarida Gutierrez, professora da UFRJ, o Rio relaxou no controle das contas públicas, e o governo federal foi cúmplice:
— O Estado do Rio relaxou. Muitos empréstimos foram tomados para pagar despesa de pessoal, quando, na verdade, deveriam ter sido investidos para ter retorno. Isso mostra que o desarranjo fiscal é enorme, e o governo federal foi negligente, permitindo tudo isso.
Professor de Finanças do Ibmec, Gilberto Braga se disse contrário a qualquer acordo político que facilite que o Estado do Rio contraia mais dívidas sem estar adimplente com a União:
— Se houver uma decisão política, eu não concordo. Cria-se um casuísmo. A decisão, embora necessária do ponto de vista da mobilidade para a Olimpíada, cria um tratamento diferenciado do governo federal para com o Rio, quando deveria haver endurecimento neste momento. Dentro do processo de reestruturação, o estado deveria apresentar um plano mostrando que está colocando as contas no lugar. Amanhã, podem aparecer outros estados pedindo ao governo o mesmo tratamento — opinou.
PREFEITURA JÁ TEM PLANO B
A Secretaria estadual de Fazenda admite que o atraso no pagamento da dívida com a União ocorre devido à crise e à absoluta escassez de recursos. Somente este ano, o governo terá de pagar R$ 10 bilhões, sendo 70% à União e o restante a bancos públicos e organismos financeiros internacionais. A Fazenda diz que busca geração de receitas extraordinárias para suprir o rombo, enquanto prepara “medidas importantes de cortes de despesa”.
O ex-secretário municipal de Transportes Rafael Picciani, que assumiu ontem como secretário executivo de Coordenação de Governo do Rio, acredita que o metrô ficará pronto a tempo dos Jogos. Mas, caso isso não aconteça, ele diz que a prefeitura já tem um plano B:
— Temos o plano de contingência do BRT, que está pronto. Eu espero que não precise ser utilizado porque a população seria muito sacrificada. Como a parte física da obra está pronta, eu tenho confiança em que haverá essa liberação de crédito.
Procurado pelo GLOBO, o Consórcio da Linha 4 não se manifestou sobre a possibilidade de o empréstimo do BNDES não ser liberado. As empreiteiras Queiroz Galvão e Odebrecht, que lideram a execução das obras, também não se pronunciaram.
ARRESTO DA DEFENSORIA NÃO SAIU DO FUNDEB
O dinheiro arrestado anteontem do cofre do governo estadual para pagar salários da Defensoria Pública não incluía recursos destinados ao Fundeb, destinado exclusivamente à educação.
O Tribunal de Justiça autorizou sequestro de R$ 49 milhões do cofre estadual, preservando recursos de áreas essenciais como educação, saúde e segurança pública. Na quinta-feira, a Justiça negou um novo sequestro das contas que garantiria o pagamento ontem (terceiro dia útil) aos outros servidores do Executivo.
O tribunal estendeu decisão de maio para suspender a ação civil pública da Federação das Associações e Sindicatos dos Servidores Públicos do Estado (Fasp), que havia recorrido à 8ª Vara de Fazenda Pública. Com isso, os servidores do estado, com exceção do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria, receberão salário no décimo dia útil.
Fonte: Jornal O Globo
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