Na semana passada, a greve dos professores da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), uma das mais importantes do Brasil, completou
três meses. Com dívidas de R$ 150 milhões e sem recursos para pagar
salários, a instituição cogita cancelar o vestibular de 2017 e até
fechar as portas definitivamente. No lugar das salas de aula, há agora
lixo espalhado, paredes quebradas e fiação exposta. Também alguns dias
atrás, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) suspendeu, por
falta de recursos, cirurgias de emergências. Em dois anos, o número de
leitos despencou de 800 para 170 e já se fala no risco de fechamento do
hospital. Até a sexta-feira 24 – o valor aumenta a cada dia – o Estado
do Rio devia R$ 400 milhões em honorários para 393 mil servidores, sendo
que algumas categorias, inclusive as vitais, como médicos e
professores, estão há quatro meses sem receber o salário integral. Na
madrugada do domingo 19, quinze homens armados com granadas e fuzis
invadiram o Hospital Souza Guiar, no centro, para resgatar o traficante
Nicolas Pereira de Jesus, o Fat Family. A ação cinematográfica
repercutiu em diversas partes do mundo, especialmente porque o Souza
Aguiar é o maior centro de emergência do Estado e um dos cinco
credenciados para atender turistas estrangeiros. Na quinta-feira 23,
foram cortados, por falta de pagamento, os aparelhos de comunicação
Nextel dos policiais civis e eles passaram a contar apenas com os
próprios celulares para pedir ajuda em situações de risco.
Por que a Olimpíada pode salvar o Rio
Os episódios descritos acima mostram que o Rio de Janeiro vive um
colapso sem precedente. O dinheiro acabou. A violência sufoca milhões de
pessoas. As áreas essenciais, como saúde e educação, estão em ruínas. O
declínio chama ainda mais a atenção diante do que o Rio representa para
o Brasil e o mundo. Nenhuma outra cidade brasileira é tão admirada,
invejada e falada dentro e fora do País. Nenhuma inspirou tantas
pessoas. Por mais que Brasília tenha ocupado o espaço político nos
últimos anos, o Rio é a capital sentimental dos brasileiros. Sob
diversos aspectos, é incomparável, e isso torna mais chocante a situação
de penúria em que se encontra. O Rio vai receber a Olimpíada, a
primeira a ser realizada na América do Sul, o que por si só coloca a
cidade sob os holofotes globais. Faltam pouco mais de 40 dias para o
principal evento esportivo do planeta – maior até do que a Copa do Mundo
– e é uma lástima o fato de o Estado enfrentar uma das maiores crises
de sua história justamente agora, às portas de um acontecimento que deve
provocar um efeito redentor para a cidade (leia reportagem a seguir).
Colocar a culpa pelas mazelas cariocas nos ombros de apenas um gestor
é uma injustiça histórica. O Rio tem convivido, em seus 451 anos, com
os dois extremos: a decadência – como nas crises econômicas causadas
pela queda da produção de cana de açúcar ou do cultivo de café, em
séculos passados – e o esplendor, a partir de 1808, quando virou
endereço do governo de Portugal e da Família Real. Experimentou a
grandeza de ser capital do País e o sentimento de derrota ao perder o
posto para Brasília, em 1960. Lidar com poder e declínio, portanto, é um
aprendizado antigo, e certamente será importante para ajudar o Estado
fluminense a encontrar as saídas para a grave crise que enfrenta agora.
O retrato atual é resultado de problemas que se arrastam há muito
tempo. Tome-se como exemplo as despesas obrigatórias. Do déficit
estadual de quase R$ 20 bilhões, R$ 13 bilhões se referem à Previdência.
O Rio tem mais aposentados (cerca de 245 mil) do que servidores na
ativa (em torno de 226 mil), uma aberração que compromete as finanças de
qualquer ente público. Trata-se, portanto, de um impasse estrutural,
que requer mudanças profundas. A conjuntura também afetou a performance
econômica do Rio. O impacto da crise da Petrobras, devassada por um
esquema de corrupção, abalou as finanças do Estado, e a queda na
arrecadação com os royalties do petróleo, que despencou quase 40% apenas
no ano passado, causaram sérios prejuízos.
Há saídas para a crise? De acordo com especialistas entrevistados por
ISTOÉ, é possível seguir um caminho diferente. A reforma administrativa
é o primeiro deles. “A crise do Rio se deve à incapacidade de gestão
das despesas, do enquadramento entre as receitas que entram e o dinheiro
que sai”, afirma o economista Alberto Borges Matias, especialista em
contas públicas. Nessa conta, está o aumento absurdo de despesas com
pessoal. Segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE)
publicado no Diário Oficial na terça-feira 21, as despesas do Rio com
funcionários da ativa e aposentados aumentaram 18,8% nos últimos cinco
anos, já descontada a inflação. Borges diz que uma gestão mais
equilibrada seria suficiente para evitar que o Estado fluminense fosse,
entre todos os da federação, o que registrou maior crescimento de gastos
com pessoal. A saída, aponta ele, nem precisaria ser traumática. “Basta
cortar os salários astronômicos, as horas extras e os benefícios
exagerados.”
Para o secretário estadual de Planejamento, Júlio Bueno, o crescimento
de pessoal não é a questão central e, sim, a crise estrutural da
Previdência. A solução para essa questão, segundo ele, passa pela esfera
federal. “Para cada coronel da Polícia Militar na ativa, o Rio tem hoje
60 inativos. A legislação é anacrônica e precisa ser modificada”, diz
Bueno. A outra alternativa é limitar a idade mínima para a
aposentadoria, associada ao fim da paridade de aumentos entre ativos e
inativos. Segundo o secretário, as leis que regem esses disparates podem
ser alteradas rapidamente. Mas dependem, claro, de disposição política.
Parte da calamidade do Rio se deve à queda drástica do preço do petróleo
e aos escândalos de corrupção na Petrobras. A arrecadação gerada pelo
setor petrolífero despencou de R$ 8 bilhões em 2014 para R$ 3,6 bilhões
em 2016. Cerca de 80% das atividades da Petrobras estão inseridas no
Rio, fazendo com que o impacto da crise na empresa atinja em cheio as
finanças do Estado. Para o pesquisador José Roberto Afonso, da Fundação
Getulio , a “óleo dependência” está no centro da crise. O economista
Sérgio Besseramn, ex-presidente do IBGE, concorda. “O Rio sempre tratou
os royalties de petróleo como se fossem mais um imposto, e usou o
dinheiro para pagar contas quando deveria ter feito uma poupança”,
afirma. “Isso precisa mudar.” O quadro é grave, mas o Rio é
suficientemente forte para superá-lo.
Fonte: Istoé
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