Apesar de serem obrigados, por lei, a conter despesas com pessoal,
vários Estados estouraram seus limites e essa conta cresceu em pelo
menos R$ 100 bilhões de 2008 para cá – período em que o governo federal
afrouxou o monitoramento das finanças estaduais. A alta é espantosa
porque representa um crescimento real, acima da inflação, de 40%, e é
quase o dobro dos R$ 58 bilhões de aumento de 2000 a 2007, quando se
aplicou com mais rigor a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Mesmo sendo gigantesco, a avaliação é que esse número pode ser
ainda maior. Gastos com auxílio-paletó, auxílio-combustível,
auxílio-moradia, precatórios com alimentação, terceirizados, prestadores
de serviços por meio de contrato com organização social e até pensões e
aposentadorias – enfim, uma série de despesas decorrentes de pessoal –
podem não estar incluídas nessa cifra. “Não dá para saber”, diz Gustavo
Morelli, diretor da consultoria Macroplan, que coordenou esse
levantamento. Morelli explica que, ao longo dos anos, foram feitas
diferentes “interpretações da lei” sobre o que entra ou não na conta,
dificultando a análise da saúde financeira dos Estados.
Os especialistas em finanças não gostam de dizer que isso
configura “maquiagem” ou que as interpretações criaram uma “caixa
preta”. As secretarias de Fazenda conhecem os dados e fazem a prestação
de contas dentro da lei. É fato que muitos critérios contrariam o manual
do Tesouro Nacional, responsável por monitorar a aplicação da lei. Mas
eles foram aprovados pelos Tribunais de Contas dos Estados ou
conquistados em disputas na Justiça. Ainda assim, a maioria admite que
houve uma “criatividade coletiva” na apresentação dos gastos.
Foto: Arte/Estadão
Gastos públicos
“O que temos nos Estados é a pior das contabilidades criativas
– a contabilidade criativa legal, pois interpretações da Lei de
Responsabilidade Fiscal foram autorizadas pelos Tribunais de Contas dos
Estados, pela Justiça e, em alguns casos, até pelo Tesouro”, diz Raul
Velloso, especialista em contas públicas.
Índice. Para medir o peso do
pessoal sobre o caixa dos Estados, a lei manda fazer uma conta
elementar: dividir os gastos com a folha pela receita líquida corrente. O
resultado é um indicador que não pode ser superior a 60%. As manobras
consistem em contabilizar a menos as despesas e a mais as receitas, por
meio das tais interpretações, para que o resultado da conta fique abaixo
de 60%.
Para a economista Sol Garson, ex-subsecretária de Finanças do Rio
e hoje responsável pela área fiscal da Macroplan, o Rio de Janeiro tem
uma das interpretações mais criativas do País. Em 2015, para fechar a
conta com a Previdência, usou cerca de R$ 3,6 bilhões de royalties de
petróleo. A receita é instável e incerta, não tem relação com o esforço
fiscal do Tesouro, mas o Estado e o Tribunal de Contas entendem que
vale.
Há outra manobra comum, mas mais requintada. Estados e municípios
recebem repasses do SUS destinados exclusivamente a pagamentos de
serviços da rede privada. O dinheiro mal passa pelo caixa público e
segue para o setor privado. “Mas a maioria dos Estados e municípios
contabiliza como se o dinheiro fosse deles, eleva a receita corrente
líquida, o que melhora o indicador”, diz Sol.
Durante muito tempo, os Estados preferiram defender seus
critérios, ainda que duvidosos. Uma nova geração de secretários de
Fazenda, porém, defende que é preciso rever a posição.
Quem puxa a fila é Ana Carla Abrão Costa, secretária de Fazenda
de Goiás. Egressa do setor privado, ao assumir, mandou recalcular o
indicador incluindo absolutamente todos os gastos com pessoal. Pelas
regras da contabilidade oficialmente adotadas em Goiás, o indicador hoje
está em cerca de 50%. Mas o cálculo sugerido por Ana Carla diz que é
80%. Ela reforça que a situação dos Estados é gravíssima (ler mais abaixo).
Os gastos com pessoal crescem de 5% a 6%, ao ano, mesmo que não
se contrate ninguém e não se dê um centavo de aumento. “Teremos vários
Rios de Janeiro em três anos se nada for feito e estou convencida de que
apenas com informações transparentes – e o debate pela sociedade – é
que teremos condições de avançar nas correções”, diz Ana Carla. O
governo tem uma nova proposta de cálculo, mais rigoroso, que poderia dar
uma visão mais clara sobre os gastos.
Morelli reforça o alerta. A junção das duas faces do gasto com
pessoal – os identificados e os ocultos – elevam a potência da
bomba-relógio que é a folha. De um lado, está claro que os Estados
contrataram e deram aumentos acima do recomendável, que pesam hoje e vão
elevar o custo da Previdência. Por outro, de fato, não há clareza sobre
o tamanho da encrenca.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo
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