RIO - Um relatório da Contadoria Geral da Secretaria estadual de Fazenda
revela que os gastos do estado com pessoal até junho, no acumulado dos
últimos 12 meses, já somavam R$ 26,6 bilhões, o equivalente a 58,45% da
receita corrente líquida (total da arrecadação de impostos no período).
Com o resultado, o Rio fica numa situação crítica porque está muito
perto do limite de 60% para despesas com salários, previsto na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), e também do teto de alerta estabelecido
pela legislação. Especialistas e técnicos explicam que, até o final do
ano, será uma verdadeira batalha para controlar as contas estaduais e
evitar medidas drásticas, como demissões, inclusive de funcionários.
O estudo técnico foi publicado em 18 de julho e detalha os gastos com
a folha de servidores, dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em caso de estouro do teto, o governo é obrigado a fazer cortes que
constam na Constituição, como eliminar cargos comissionados,
gratificações, e pode, em casos extremos, ter que dispensar funcionários
em estágio probatório ou demitir servidores concursados.
No
Executivo, o gasto com pessoal também fica perto do teto: até o mês
passado, foram gastos R$ 21,7 bilhões, ou 47,8% da receita líquida. O
teto do Executivo é de 49%. Contudo, a apuração dos limites é feita
quadrimestralmente, e o resultado de um mês não é o suficiente para
caracterizar que a lei foi descumprida
O descumprimento da LRF ainda pode ser evitado no próximo
quadrimestre (maio a agosto), que ainda será apurado. Isso porque o
estado recebeu R$ 2,9 bilhões da União a fundo perdido. Segundo a
Secretaria estadual de Planejamento, o dinheiro será computado na
receita corrente líquida, o que ajudará a segurar o gasto com pessoal.
O pior cenário se desenha para dezembro, quando uma projeção da
Comissão de Orçamento estima que o gasto com pessoal alcançará R$ 31
bilhões, acima do teto máximo permitido de R$ 29 bilhões. Haveria
descumprimento da lei, e as despesas atingiriam 64% da receita líquida
no quadrimestre de setembro a dezembro. Porém, tudo isso pode mudar,
caso a economia volte a crescer, engordando as receitas do estado.
— Alertamos para esse quadro desde o início do ano. O governo precisa
fazer um corte radical para evitá-lo — disse o presidente da Comissão
de Orçamento, Pedro Fernandes (PMDB).
Para evitar o quadro de colapso, o estado precisa buscar receitas
extras, já que os gastos com pessoal cresceram 74% acima da inflação
desde 2009. Por tabela, para respeitar o princípio da paridade, os
aumentos tiveram reflexos nas despesas com inativos da previdência. Em
janeiro de 2007, a folha de aposentados e pensionistas somava R$ 352
milhões, contra cerca de R$ 1,2 bilhão de hoje. E a cada ano, três mil
novos aposentados e pensionistas entram na previdência.
O governador em exercício, Francisco Dornelles, falou, há duas
semanas, que vai lançar mão de medidas para recompor a arrecadação. Ele
se diz otimista e cita a venda da folha de pagamento dos servidores para
um banco privado, já que o contrato com o Bradesco vence em novembro.
Com a nova licitação, a expectativa do estado é receber até R$ 1 bilhão.
— Se a arrecadação cai e a despesa não, você perde a posição de
comodidade e pode entrar na LRF. Se entrar, estamos prontos para
administrar. Mas eu não acho que isso vai acontecer. Todos os poderes
estão na mesma situação. Todo mundo tem que ficar prevenido — disse
Dornelles.
Em nota, a Fazenda reitera que não pretende descumprir a LRF e
reforça que o estado trabalha para aumentar receitas. Outra negociação
em andamento é a venda da dívida ativa estadual, que tramita no Tribunal
de Contas da União (TCU). Esse projeto prevê uma engenharia financeira
na qual o estado receberá antecipadamente uma fração dos créditos
duvidosos e transferirá a um banco o direito de cobrá-la. Hoje, a dívida
ativa gira em torno de R$ 66 bilhões, e o estado estima embolsar ao
menos R$ 3 bilhões com o deságio. Mas O GLOBO apurou que há resistência
do Ministério Público junto ao TCU, que teria considerado o negócio uma
espécie de empréstimo.
A situação se agravou em abril, quando o Tesouro passou a bancar a
previdência, o que obrigou o governo a computar a folha de aposentados e
pensionistas nas despesas de pessoal. Antes, os royalties e R$ 7
bilhões do Fundo de Depósito Judicial eram usados para fechar a conta.
José Roberto Affonso, pesquisador da área de economia aplicada do FGV/Ibre, afirma que o quadro é grave:
— Não apenas pelas contratações e reajustes dos últimos anos, mas
porque a receita decresceu fortemente com a recessão nacional, agravada,
no caso do Rio, pela perda dos royalties. Ações paliativas, como saques
de depósitos judiciais e ajuda federal, foram adotadas, mas mas agora
será preciso tomar medidas duras e duradouras.
DRAMA DOS SERVIDORES
Enquanto a despesa de
pessoal do estado chega perto do teto, servidores estaduais como o
sargento do Corpo de Bombeiros Jonathan Almeida, de 35 anos, temem
demissão e colecionam dívidas, em razão de atrasos nos pagamentos, que
parecem longe de chegar ao fim. Segundo ele, a maioria dos colegas de
quartel passa pelo mesmo problema. Em janeiro, Almeida contraiu um
empréstimo de R$ 7 mil com um banco, depois de não receber horas
adicionais trabalhadas em novembro e dezembro, que trariam um alívio de
R$ 5 mil. Ele sustenta sozinho a mulher e dois filhos, de 4 e 5 anos, e
paga uma pensão de R$ 1.250 para a filha mais velha. O dinheiro foi
usado nas matrículas e em material escolar.
— Não consegui pagar nenhuma parcela do empréstimo, estou negativado.
Contava com as horas adicionais para ajudar na renda, e aí enrolou
tudo. Ainda tivemos o 13º parcelado. Hoje, devo para cartão, escola e
até para colegas.
Sem dinheiro, o bombeiro cogita colocar os filhos em escola pública,
porque as mensalidades do colégio estão há quatro meses atrasadas. A
economia, segundo ele, atingiu até a geladeira. Carne vermelha virou
item proibido:
— A TV a cabo já está cortada, assim como o telefone de casa. No caso
do celular, quando entra o pagamento, já estou devendo o mês anterior.
Lazer não temos mais. É do trabalho para a casa e de casa para o
trabalho. Meus filhos até cobram quando vamos sair. Eu digo: “papai não
tem condições”. Mas eles são pequenos, não entendem.
Sem esperança, o sargento pensa em arrumar um emprego fora do quartel.
— Estou esperando uma resposta de uma empresa de ambulâncias, onde eu
trabalharia por 12 horas nos meus dias de folga. Vou trabalhar mais e
me privar da minha família — lamenta. — Depois de setembro, não sei como
vai ser nosso pagamento. Não temos uma perspectiva de melhora.
Fonte: Jornal O Globo