Tamanho são os contornos dramáticos que o pagamento dos servidores estaduais se transformou numa espécie de novela, cujo final feliz é incerto a cada mês. Nesta terça-feira, a Justiça do Rio bloqueou R$ 368 milhões das contas do estado, o que não foi suficiente para garantir o pagamento de julho a todo o funcionalismo. Mais arrestos devem ser feitos nos próximos dias, à medida que entrem recursos de arrecadação de impostos nos cofres. Segundo a Secretaria estadual de Fazenda, 81% do funcionalismo já haviam recebido até a tarde de terça-feira, o que corresponde a R$ 1,6 bilhão. Contudo, o órgão não informou quais categorias ainda estão sem receber.
O dinheiro sequestrado ontem é parte dos R$ 604,7 milhões que a juíza Priscila Fernandes Miranda Botelho da Ponte havia mandado arrestar, desde segunda-feira, para que o depósito dos salários fosse feito até o terceiro dia útil do mês, conforme calendário original de pagamento. Este, porém, foi alterado para o décimo dia útil em razão da crise.
A medida foi tomada em cumprimento à decisão judicial do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que acolheu um pedido da Federação das Associações e Sindicatos dos Servidores do Estado do Rio (Fasp-RJ).
DINHEIRO TIRADO DO FUNESBOM
Os valores sequestrados foram retirados de fundos próprios como o Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom) e de contas de operações de crédito e de convênios. Contudo, segundo a Fazenda, esses recursos não poderiam ser utilizados, já que, pela legislação, a aplicação deles tem destinação específica.
O arresto provocou uma confusão no caixa estadual e gerou temor nos municípios do estado, que não receberam ontem o repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que são utilizados para o custeio da educação.
As prefeituras do Rio, de Nova Iguaçu e de Duque de Caxias, por exemplo, não haviam recebido o dinheiro até o final da tarde. O estado atribuiu a falta do recurso a problemas operacionais dos bancos e disse que a situação seria normalizada até o final da noite. Contudo, nos bastidores a informação é que o problema teria relação com a desorganização nas contas.
Muito afetado pela crise, o prefeito de Duque de Caxias, Alexandre Cardoso (PSB), cuja arrecadação municipal só perde para a capital, demonstrou preocupação em meio a um quadro de queda de receitas.
— O meu temor é que essas decisões de arresto inviabilizem os repasses aos municípios, e as prefeituras fiquem sem recurso para pagar o custeio da educação, como o pessoal terceirizado. Só de repasses de ICMS do estado em junho e julho, já apuramos uma queda de R$ 30 milhões em valores reais (descontada a inflação).
Os sucessivos bloqueios nas contas do estado têm irritado o Palácio Guanabara. Segundo pessoas próximas ao governador em exercício, Francisco Dornelles, o Rio articula um movimento com outros governadores, que também adiaram a data base do funcionalismo e têm enfrentado dificuldade de organizar as contas devido aos arrestos. A estratégia seria tentar convencer Lewandowski a rever sua decisão, que é monocrática. Com isso, o processo poderia ser levado para apreciação no plenário pelos ministros da Corte. Diversos estados devem enviar emissários para uma reunião com o presidente do STF na quarta-feira.
Após atrasar os salários dos servidores no mês passado e só fazer o pagamento graças a um socorro de R$ 2,9 bilhões da União, o estado pagou pelo menos metade do funcionalismo entre o segundo e terceiro dia útil deste mês. Segundo peemedebistas, o estado optou por pagar o pessoal da segurança, saúde e educação para garantir o funcionamento dos serviços essenciais e evitar novos protestos na Olimpíada. Os que ficaram sem receber salários foram os inativos e pensionistas, o que fez a Fasp entrar na Justiça pedindo bloqueio das contas.
O motorista aposentado do estado Alfredo Rebelo não havia recebido salário até o fim da tarde. Alfredo está com o nome sujo no SPC e no Serasa. Ele teve que penhorar joias da mulher:
— Tive que fazer isso porque estou no cheque especial e as minhas contas de IPTU, luz, água e telefone estão atrasadas.
Fonte: Jornal O Globo
|