Equipes do
GLOBO estiveram nesta terça-feira no restaurante popular, mas por pouco
tempo. Os repórteres foram orientados a deixar o lugar porque a boca de
fumo fica muito perto. Só na unidade da Central do Brasil são servidos
3.700 mil almoços por dia e 1.800 cafés da manhã.
Desde que a crise do estado se agravou no fim do ano passado, David,
que tem 40 anos e é esquizofrênico, passou a almoçar no restaurante
popular. Ele também vende pipoca na Central do Brasil para ajudar a
pagar as contas. O pai dele, que trabalhava no Instituto de Assistência
dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj), morreu há três
anos. A pensão de R$ 920, diz ele, não é suficiente para os gastos com
supermercado e para comprar remédios. Na semana passada, David disse que
se sentiu aliviado quando soube que a Justiça havia determinado o
arresto nas contas do estado. No entanto, até ontem, o dinheiro ainda
não tinha caído em sua conta.
— Não tenho nada contra os restaurantes populares, mas hoje estou
aqui porque a falta de gestão do governo do estado me obrigou a isso. Os
salários atrasados estão deixando muitas pessoas atoladas em dívidas.
Para sobreviver, vendo pipoca e pego dinheiro emprestado com juros,
claro. Quando sai a pensão, não sobra nada. Eu não escolhi ter
esquizofrenia. Se pudesse, estaria trabalhando sem precisar depender de
um governo que não pensa no povo — disse David, enquanto aguardava, sob o
sol, na longa fila para se alimentar.
Para controlar os sintomas da esquizofrenia, David usa três medicamentos que, juntos, custam R$ 50:
— Não posso ficar sem meus remédios, é desesperador. Quando não tenho
o dinheiro para comprar, tento conseguir no Centro Psiquiátrico Rio de
Janeiro, na Praça da Harmonia, mas nem sempre os remédios estão
disponíveis. Recebo a pensão do meu pai, mas, nesses últimos meses,
minha vida virou um verdadeiro inferno por causa dos atrasos no
pagamento. Estou cansado de olhar diariamente o saldo bancário em vão.
Moradora do Méier, a auxiliar de serviços gerais aposentada Maria
Célia Silva, de 79 anos, também começou a almoçar no restaurante popular
de seu bairro por causa dos atrasos dos pagamentos. E, nos últimos
dias, tem pedido ajuda até mesmo para pagar a refeição de R$ 2.
— Trabalhei tantos anos para o governo pensando que teria uma
aposentadoria digna, mas, agora, mal posso comprar comida para minha
casa. E as contas, que sempre honrei, estão todas atrasadas — lamenta a
aposentada.
Mas quem depende dos restaurantes populares neste momento de crise
teme ficar até sem esta opção. Todas as unidades estão funcionando,
apesar das dívidas. A empresa Home Bread, que administra as unidades da
Central do Brasil, da Cidade de Deus e do Méier, informou que aguarda
uma solução da Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos até a próxima sexta-feira sobre a dívida que se arrasta há mais
de um ano e estaria hoje em torno de R$ 20 milhões. Por nota, a empresa
disse que, caso não haja resposta positiva, na segunda-feira, as
empresas que administram os restaurantes populares vão se reunir para
acertar uma data para o fechamento.
De acordo com a secretaria, o estado tem 15 restaurantes populares,
que servem 37 mil refeições e 21.500 cafés da manhã, diariamente. O
órgão informou que a dívida com os administradores dos restaurantes é de
R$ 28 milhões, porém desconhece o prazo passado pela Home Bread para o
encerramento das atividades.
Também em comunicado, a Secretaria estadual de Fazenda disse que “os
pagamentos serão realizados o mais rapidamente possível, dependendo da
disponibilidade de recursos em caixa". A pasta acrescentou que, devido à
grave crise financeira, a prioridade é o pagamento dos salários dos
servidores ativos, inativos e pensionistas, além da quitação de despesas
obrigatórias.
Em contraste com a penúria estadual, na Rua do América, que começa no
bairro de Santo Cristo e segue até a Central do Brasil, operários estão
instalando trilhos do VLT. A região está recebendo também obras de
urbanização e infraestrutura. O fechamento parcial da via acabou
facilitando a ação de criminosos. Em pelo menos 200 metros de extensão,
usuários de drogas instalaram barracas e consomem principalmente crack à
luz do dia. O ponto mais crítico é próximo à garagem de uma empresa de
ônibus.
Em vários pontos no entorno do prédio da Central do Brasil, camelôs
instalaram barracas improvisadas. Como são inúmeras, fica quase
impossível o uso da calçada para quem circula no local.
— Tem dia que só é possível andar pelo meio da rua. É o caos — diz um
comerciante, que prefere não ser identificado, acrescentando que o som
de tiros é constante. — Esta semana, eu não ouvi, mas, na semana
passada, foram muitos.
O barulho de guerra vem de operações policiais nos morros da
Providência e da Pedra Lisa. Mas o comerciante diz que cenas de
violência no asfalto também são corriqueiras. É comum ouvir gritos de
“pega ladrão” em meio à multidão.
— Na Central do Brasil, ninguém é bobo. Tem que estar na atividade — diz outro comerciante.
A quantidade de ambulantes é tanta que os policiais civis da 4ª DP
(Central do Brasil) contam que, todos os dias, precisam mandar camelôs
desocuparem a entrada da delegacia.
— É todo dia. Se deixar, não dá nem para as pessoas entrarem aqui — conta um policial.
A Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) garantiu ontem que vai
intensificar a fiscalização para coibir o comércio ambulante irregular.
A Seop informou que, junto com a Guarda Municipal, realiza operações
diárias na área. Do mês passado até ontem, foram apreendidos 6,5 mil
itens comercializados de forma irregular na região do Centro. Já a
Coordenadoria de Polícia Pacificadora disse, por nota, que a UPP da
Providência tem reforçado o patrulhamento na comunidade e realizado
operações com o apoio de unidades do Comando de Operações Especiais
(COE). Segundo a coordenadoria, denúncias devem ser encaminhadas à
Ouvidoria Paz com Voz, principal canal de comunicação com as UPPs.
Fonte: Jornal O Globo