A crise financeira que atinge o Rio obrigará o governo do estado a adotar medidas ainda mais duras pelos próximos dois anos para reduzir despesas, e não está descartado nem mesmo que haja corte de pessoal. O motivo está num relatório que detalha a situação das contas do estado, que será divulgado hoje no Diário Oficial. Devido a quedas sucessivas da arrecadação de impostos nos últimos meses, em agosto a dívida do estado ultrapassou em cerca de R$ 1 bilhão o limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para se adequar à legislação, o Palácio Guanabara terá que apertar os cintos: não poderá contrair novos empréstimos para arcar com compromissos, nem gastar mais do que arrecada, numa espécie de economia de guerra que deve durar até agosto de 2018. A Assembleia Legislativa (Alerj), o Ministério Público (MP), o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Tribunal de Justiça (TJ) também terão que fazer ajustes em seus orçamentos.
O relatório trará um balanço das contas do estado entre setembro de 2015 e agosto deste ano. O documento mostrará que o percentual da dívida nesse período chegou a 201,94% da receita corrente líquida — 1,94 ponto percentual a mais do que era permitido. Por lei, a relação entre dívida consolidada líquida (tudo o que o estado deve menos o que ele tem em caixa e outros recursos, como aplicações financeiras) e receita corrente líquida (impostos mais transferências) não pode superar 200%.
O documento que será divulgado hoje também já deverá indicar algumas medidas que o governador em exercício, Francisco Dornelles, terá que adotar para reequilibrar as contas. Já se sabe que, para atender às regras previstas na LRF, os gestores de órgãos públicos serão orientados a reduzir ainda mais suas despesas. Até abril de 2017, o ajuste a ser feito deve corresponder a pelo menos 25% do total do déficit. Em valores de agosto, isso equivaleria a R$ 250 milhões. Caso as receitas com impostos continuem a cair, o esforço para economizar terá de ser ainda maior.
A medida cria incertezas também sobre o futuro dos investimentos em infraestrutura que o estado previa para o Rio de Janeiro, já que depende do reequilíbrio das contas. O governo do estado havia prometido, por exemplo, concluir as obras da Estação Gávea da Linha 4 do metrô até 2018. Mas, para isso, precisaria captar cerca de R$ 500 milhões.
Mesmo sem o estado ajustar as contas, poderá receber da União recursos que não sejam aqueles previstos pela legislação (como repasses para as áreas de Saúde e Educação). Mas não terá mais acesso a esses recursos caso não regularize a situação até agosto de 2018. Os repasses não obrigatórios são conhecidos como “transferências voluntárias”. Foi por esse mecanismo, por exemplo, que a União repassou R$ 2,9 bilhões para o governo do estado no fim de junho, que permitiu que o Rio reequilibrasse as contas às vésperas da Olimpíada.
Nessa estratégia para economizar, a equipe econômica do Palácio Guanabara vai adotar uma interpretação de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que prevê prazos dobrados para que União, estados e municípios ajustem suas contas em períodos de crise econômica. Em épocas de crescimento, o corte de despesas deve ocorrer em no máximo 12 meses. Ainda há dúvidas entre os técnicos do governo se o estado poderá ou não sacar parcelas de empréstimos já em andamento.
No último relatório do governo do estado, divulgado no Portal da Transparência, relativo ao período de maio de 2015 a abril de 2016, o percentual da dívida sobre as receitas estava em 191%. Na época, o único estado que estava fora do teto era o Rio Grande do Sul (217%). Minas Gerais também estava em situação preocupante (183%). Essa não é a primeira vez que o Estado do Rio fica acima do teto legal para o endividamento. Isso também aconteceu em 2002, mas foi por um curto período.
QUEDA NAS RECEITAS DO ESTADO
Nesse cenário, a Cedae, cuja privatização vem sendo estudada pelo estado, será uma exceção. A empresa, por contar com receitas próprias e não receber recursos diretos do tesouro estadual, poderá seguir com programas de investimentos, que incluem um projeto para ampliar a rede de abastecimento de água da Baixada Fluminense.
Desde o fim de 2015, o valor total da dívida vem caindo, mas o problema é que o mesmo se deu com as receitas, fazendo com que o estado superasse o teto de 200%. Na comparação com setembro de 2015, o governo do estado até reduziu a sua dívida — de R$ 101,1 bilhões para R$ 98,5 bilhões (queda de 2,6%). No entanto, a receita arrecadada nesse período caiu ainda mais. Os R$ 2,4 bilhões a menos representaram uma queda de 4,7% nos recursos disponíveis. O mesmo fenômeno de crescimento da dívida já tinha ocorrido em 2015 em comparação ao ano anterior (2014). Nesse período (2014-2015), a dívida cresceu 19,7%, mas por fatores que não estavam relacionados com a arrecadação. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, o endividamento do Rio aumentou em 2014 devido ao repasse de um volume maior de empréstimos já contraídos pelo estado. Outros fatores foram a desvalorização do real frente ao dólar (que provoca impacto nas dívidas contraídas na moeda) e a correção de 10,7% do valor total da dívida com a União, com base no IGP-DI — indicador adotado para atualizar as dívidas.
Com isso, apenas em 2015, o estado acabou pagando R$ 322,8 milhões a mais de serviços da dívida (juros) em comparação com o ano anterior, o que representou um crescimento de 4,8%. Além disso, em 2015, tiveram início o pagamento de juros de novos contratos firmados junto a instituições financeiras privadas e amortizações de contratos firmados com entidades internacionais.
Antes de atingir os limites da LRF, o governo do estado, que já vinha tendo dificuldades para captar recursos de empréstimos a longo prazo, fica impedido até mesmo de se endividar a curto prazo para cobrir rombos no caixa, oferecendo como garantia receitas da arrecadação nos meses seguintes. O plano original do governo do estado era tentar manter sua máquina até 2019 em déficit fiscal, gastando mais do que a arrecadação, tendo como justificativa o cenário de recessão que influiu na arrecadação. Esta era a previsão da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, encaminhada à Alerj e aprovada no fim de junho. Para 2017, por exemplo, a previsão é que o déficit alcançasse R$ 16,3 bilhões.
Crise do estado começou em 2015
A queda na arrecadação dos royalties do petróleo e da receita tributária devido à crise econômica fez com que o estado passasse a enfrentar, desde o ano passado, dificuldades para fechar as suas contas. Sem recursos em caixa, o governo atrasou o pagamento de fornecedores, de servidores públicos e, até mesmo, de suas dívidas de contratos de financiamento.
Em várias ocasiões, o dinheiro para efetuar os pagamentos acabou sendo liberado por decisões judiciais, que arrestaram recursos das contas do governo. Nesse processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado pelo Tribunal de Justiça do Rio, já que o estado chegou a atrasar os repasses de recursos para manter o Judiciário.
A crise afetou serviços, como os das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e dos hospitais de emergência estaduais. No fim de 2015, a prefeitura assumiu a gestão dos hospitais Getulio Vargas, na Penha, e Rocha Faria, em Campo Grande. No mês passado, também foi transferida para o município a gestão dos restaurantes populares.
Fonte: Jornal O Globo
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