BRASÍLIA - O Tesouro Nacional apresentou ontem uma radiografia
detalhada das finanças estaduais. O documento mostra, em série, os
capítulos que levaram os governos regionais à atual situação de penúria
fiscal: maquiagem de estatísticas, crescimento vertiginoso de gastos com
pessoal, especialmente inativos, e aumento de endividamento. Tudo
agravado pela recessão econômica, que bateu em cheio nas receitas. O Rio
de Janeiro, afirmam os técnicos do governo, é o protagonista dessa
novela.
Foi
o estado que apresentou, por exemplo, o maior aumento nas despesas com
inativos e pensionistas: 106,4% entre 2012 e 2015. No período, essa
conta subiu de R$ 5,251 bilhões para R$ 10,841 bilhões, segundo o novo
Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais. No conjunto dos
estados, o crescimento foi de 58%, de R$ 48,617 bilhões para R$ 77,073
bilhões, nesse período.
Essa deterioração deveria estar refletida nas estatísticas fiscais.
No entanto, o Tesouro constatou que o quadro não é bem assim. Os números
declarados pelos estados são, em geral, mais favoráveis do que os
calculados pelo Ministério da Fazenda. O boletim traz uma comparação
entre a forma como eles apresentam um dos principais indicadores da Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF): a relação entre pessoal e receita
corrente líquida (RCL). Para ser considerada saudável, essa proporção
não pode ser maior que 60%.
DÉFICIT NA PREVIDÊNCIA: NO RIO, DIFERENÇA ABISSAL
Segundo
o Tesouro, somente dois governos estaduais estão acima dos 60% pelo
critério dos estados. Já com a regra mais rígida, o total chega a oito:
Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba,
Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Quando a conta é feita pelos estados, aponta o documento, essa
relação é bem menor. Em Minas Gerais, por exemplo, a relação pessoal/RCL
é de 57,33% no cálculo local, contra 78% nas contas do Tesouro. No Rio
Grande do Sul, essa proporção sobe de 58,11% para 70,62%; e no Rio de
Janeiro, de 41,77% para 62,84%. Ou seja, os três ficam desenquadrados na
LRF pelo critério da Fazenda. Na média de todos os estados, a relação
sobe de 54,29% para 58,01%.
O especialista em contas públicas Raul Velloso explica que essa
discrepância se deve a uma falha da LRF, que dá margem aos estados para
excluir da conta de pessoal algumas despesas. Esse tipo de manobra,
muitas vezes apoiada pelos Tribunais de Contas estaduais, faz com que
saiam do cálculo gastos, por exemplo, com terceirizados e com o Imposto
de Renda (IR) que incide sobre os salários dos servidores.
— A LRF hoje é letra morta para o indicador de pessoal. Isso distorce
as estatísticas e não revela a verdadeira situação dos estados — diz
Velloso.
Para corrigir esse problema, no início do ano, o governo federal
chegou a incluir no projeto de renegociação de dívidas dos estados com a
União uma exigência de que os governadores mudassem a forma como
calculam gastos com pessoal. Mas, pressionado por categorias do
funcionalismo (que viu na nova regra um risco para a concessão de novos
reajustes e a realização de concursos), recuou, deixando as mudanças na
LRF para depois. Segundo a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla
Abrão, a equipe econômica tem de alterar a lei o mais rapidamente
possível. No estado, a diferença na conta eleva a relação pessoal/RCL de
50,41% para 63,84%.
— A LRF está sendo totalmente descumprida — alerta ela.
Outra discrepância grave está no cálculo do déficit da Previdência.
Nas contas do Tesouro, o rombo dos estados em 2015 chegou a R$ 77,072
bilhões, contra R$ 59,119 bilhões informados pelos governos regionais. A
maior diferença é no Rio: o estado declara um déficit de R$ 542,04
milhões, quando o observado pela equipe econômica é de R$ 10,840
bilhões.
Segundo Velloso, a transparência do rombo da Previdência é importante
para ajudar o governo aprovar as reformas necessárias ao reequilíbrio
das contas públicas. O próprio documento do Tesouro ressalta a
importância da contenção de gastos e da reforma das aposentadorias:
“Controle dos aumentos salariais, nos gastos comissionados e contenção
de contratações de terceirizados são algumas medidas que podem ser
adotadas para reverter o aumento de gastos. Já para os inativos, a
solução passa pela reforma da Previdência dos servidores públicos.”
O documento também ressalta o aumento do endividamento dos estados,
estimulados a tomar crédito no governo Dilma Rousseff. Mesmo aqueles que
não tinham nota de bons pagadores puderam fazer empréstimos em bancos.
Entre 2012 e 2014, a concessão de garantias da União a operações de
crédito de estados e municípios foi maior para os entes com capacidade
fiscal classificada como C ou D do que para os entes com capacidade A ou
B. E os recursos não foram usados como investimento: os estados
elevaram suas despesas de pessoal. O Rio, por exemplo, classificado como
C- em 2013 e depois como D (pior nota de crédito), aumentou sua dívida
com bancos federais, de R$ 3,941 bilhões em 2012 para R$ 21,035 bilhões
em 2015.
— O resultado dessa política e desses problemas é o que está aí
agora. E o Rio é a foto do que o Arno (Augustin, ex-secretário do
Tesouro) fez no governo federal — disse um técnico.
O boletim deixa claro que nem todos os governadores conseguirão o tão
esperado aval do Tesouro para novas operações de crédito. A equipe
econômica se comprometeu a liberar esses empréstimos para estados com
classificação A ou B. Mas, segundo o documento, nenhum tem nota A. Dos
27 estados, 14 têm classificação B. Os demais têm notas que variam de C+
(Sergipe, Rio Grande do Norte e Paraíba) a D (Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul). O Tesouro ainda fez uma reclassificação das notas, e dez
estados pioraram. Somente três — Alagoas, Mato Grosso do Sul e Paraná —
tiveram melhora, sendo que apenas o Paraná passou a se qualificar para o
aval do Tesouro, ao subir de C+ para B-.
Fonte: Jornal O Globo
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