SÃO PAULO - O atraso de pagamento de salário a servidores é apenas um
dos efeitos da crise fiscal que se agrava nos governos estaduais este
fim de ano. O buraco financeiro que se abriu no caixa dessas
administrações públicas já prejudica serviços básicos à população, como o
atendimento em hospitais e o funcionamento de escolas. Para piorar, a
falta de dinheiro nos cofres dos estados tem gerado um movimento cascata
que atinge os municípios.
Repasses mensais de verba principalmente para a saúde, que
são determinados pela Constituição, estão deixando de ser feitos por
governadores a prefeituras. O atraso na liberação desses recursos chega a
cinco meses no Mato Grosso, por exemplo.
Com esse dinheiro, os municípios pagam parte dos gastos com o
atendimento da rede básica (postos de saúde) e hospitais. Mas desde
junho ele não é liberado, segundo a Associação dos Municípios
Matogrossenses (AMM).
O problema foi assunto ontem de um evento organizado pela AMM e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) em Cuiabá.
— A dívida do governo de Mato Grosso com as prefeituras é de
R$ 69 milhões. A consequência disso é que temos hospitais paralisando
atividades e médicos que estão deixando de trabalhar porque estão sem
receber salário — afirmou o presidente da AMM, Neurilan Fraga.
Anteontem, o governo estadual se comprometeu a quitar o
débito até a próxima semana com recursos que virão do governo federal
provenientes da arrecadação com a Lei da Repatriação. Segundo Fraga, o
governador Pedro Taques (PSDB) prometeu destinar todo o recurso que o
estado receberá, cerca de R$ 70 milhões, para resolver a dívida da saúde
com os municípios.
As prefeituras não são as únicas a bater na porta do governo
matogrossense cobrando pagamentos. Na segunda-feira passada, os cinco
maiores hospitais filantrópicos de Mato Grosso suspenderam, por tempo
indeterminado, todas as cirurgias eletivas (aquelas que não são de
urgência), internações em UTI e consultas ambulatoriais. Entre os
hospitais afetados estão a Santa Casa de Cuiabá e o Hospital do Câncer.
Eles acusam o governo de não pagar desde março uma verba especial
acordada em 2015 para cobrir o déficit com os atendimentos pelo SUS de
cerca de R$ 3,5 milhões por mês. Em nota, o governo do MT informou que
também conta com a verba proveniente da repatriação para honrar o
débito.
Hospitais filantrópicos também deixaram de atender pacientes
pelo SUS em Santa Catarina por falta de pagamento do governo do estado.
Os mutirões de cirurgias eletivas estão paralisados desde julho. A
Associação dos Hospitais de Santa Catarina diz que a dívida com o setor
de saúde atinge 42 hospitais e é de R$ 52 milhões. A previsão era que
cerca de 40 mil cirurgias fossem realizadas entre julho e dezembro deste
ano.
— Não existe cronograma de pagamento e isso é o que mais nos assusta — disse o presidente da associação, Altamiro Bittercourt.
A reportagem procurou a Secretaria da Saúde no estado, mas
ela não comentou se tomará alguma medida para quitar os débitos ou
retomar as cirurgias eletivas.
ATÉ SEM TRANSPORTE ESCOLAR
Desde
o dia 1º deste mês, alunos de algumas cidades do Distrito Federal estão
sem ter como chegar à escola porque as empresas que fazem o transporte
escolar interromperam o serviço porque não recebem há meses o pagamento
do governo estadual. A dívida ultrapassa os R$ 30 milhões. Segundo as
empresas, cerca de 40 mil alunos foram afetados pela paralisação.
Ontem representantes dos empresários tiveram uma reunião com
o governo. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, eles prometeram
retomar as atividades a partir de hoje. A reportagem não conseguiu
contato com as empresas que prestam o serviço.
Problemas no funcionamento de escolas também ocorrem no
Amapá. A falta de dinheiro fez escolas estaduais reduzirem o turno de
aula desde o fim de outubro. Em Macapá, uma unidade fixou um cartaz com
os novos horários: “Saída será às 10 horas (turno da manhã) e às 16
horas (turno a tarde). Obs: Não há merenda”, diz o aviso. No início
deste mês, a secretaria de Educação admitiu que recursos não foram
repassados por causa da crise financeira. O GLOBO tentou contato com
representantes da pasta ontem, mas não localizou ninguém.
Para resolver o problema fiscal, governadores pressionam o
governo federal por uma ajuda emergencial para que as contas não fechem
no vermelho em 2016. A crise mais grave ocorre no Rio de Janeiro, mas
outros estados, como Rio Grande do Sul, que vive o drama da explosão dos
índices de criminalidade, Rio Grande do Norte e Minas Gerais, também
enfrentam dificuldades, entre elas, o pagamento do 13º salário.
Oito estados estão com a despesa de pessoal estourada, ou
seja, acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), que é de 60% da receita corrente líquida. São eles: Minas Gerais,
Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraíba, Distrito Federal,
Goiás, Rio de Janeiro e Paraná, respectivamente. Em muitos desses
locais, o pagamento de salários do funcionalismo já vem sendo parcelado
há alguns meses.
Por enquanto, o governo federal não sinalizou com ajuda
concreta aos estados. Um grupo de governadores defende que a União
libere empréstimos do BNDES aos estados para quitar o 13º. Mas haveria
um empecilho porque um banco de fomento não pode financiar o pagamento
de despesas de custeio.
A repatriação de recursos no exterior rendeu ao governo
federal R$ 50,9 bilhões. Parte desse dinheiro será compartilhado com
estados e municípios. Em alguns casos isso significará um alívio, mas
está longe de resolver a crise.
Fonte: Jornal O Globo
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