O Rio é um caso especial, mas não é único. É o que sinalizam as
prisões dos ex-governadores Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, em menos
de 24 horas, numa ação peculiar, sequencial e articulada de dois juízes
federais no âmbito dos inquéritos sobre corrupção.
As investigações, inicialmente agrupadas na Operação Lava-Jato, agora
avançam pelos governos federal, estaduais e municipais. Em cada estado,
exumam um modelo arcaico de práticas políticas, exacerbado sob Lula e
Dilma. Mais políticos devem ser atingidos.
As prisões dos ex-governadores representam um golpe profundo na
política fluminense. No episódio anterior, em outubro, fora preso
Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Ele, Garotinho e
Cabral compartilham a origem e trajetória no poder local, a partir de um
mesmo núcleo político-partidário, hegemônico no estado desde os anos
90.
Cunha emergiu sob o governo Collor, alinhado a PC Farias, tesoureiro de campanha e pivô do impeachment do ex-presidente.
Garotinho sempre se destacou pelo populismo crasso. Abusou de
artifícios eleitoreiros, dos quais o “cheque-cidadão” é perfeita
tradução. Conservou o poder por dois mandatos, em parceria com a mulher,
Rosinha. Acabou preso na “Operação Chequinho”, por reincidir em prática
antiga numa era de tolerância encolhida com transações dessa natureza.
Cabral, o sucessor, assumiu com uma roupagem reformista. O projeto da
rede de UPPs é simbólico — uma ideia progressista transformada em
alavanca eleitoral. Imprevidente, apostou na renda futura dos royalties
do petróleo para acelerar gastos. O resultado está aí.
Cabral, Garotinho e Cunha consolidaram a prevalência, nem sempre com
harmonia de interesses. Usufruíram do domínio na política estadual por
quase duas décadas.
A julgar pelos milhares de páginas de provas exibidas nas denúncias
contra o trio, e aceitas pelos juízes encarregados no Rio e em Curitiba,
esse trio fez uma opção preferencial pela trilha pantanosa das alianças
suspeitas com fornecedores do estado.
O Rio só tem a ganhar com o abalo, se os políticos entenderem a
mensagem. É pedagógico para os núcleos partidários locais, que deveriam
aproveitar a oportunidade, apostando na renovação de lideranças no
estado.
O foco deve estar na ética. Ela supõe transparência, com mecanismos
para cristalina separação entre o público e o privado. Decisões
governamentais precisam estar baseadas em critérios incontornáveis de
responsabilidade administrativa e fiscal, permeando as ações em todos os
níveis de governo. Os órgãos de controle e fiscalização precisam apurar
a eficácia, a partir de um mea culpa sobre como e por que falharam nas
últimas décadas. À sociedade resta a eterna e atenta vigilância.
Fonte: Jornal O Globo
|