O novo socorro financeiro aos Estados, alguns quebrados, outros
avançando rapidamente para a insolvência, será mais um estímulo à
irresponsabilidade, se o governo federal for incapaz de cobrar severas
medidas de ajuste em troca da ajuda. Ao combinar a liberação de R$ 5
bilhões aos governos estaduais, o ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, ouviu promessas de austeridade e de reformas, testemunhadas
pelo presidente da República, Michel Temer, e pelos presidentes da
Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros. Mas promessas de bom
comportamento já foram ouvidas em agosto, quando os mesmos governadores
ganharam enormes facilidades, com prazo adicional de 20 anos, para
liquidar as dívidas com o Tesouro Nacional. Um projeto de lei foi
preparado para sacramentar o acordo. Contrapartidas negociadas com a
União, como a limitação de aumentos salariais para o funcionalismo,
foram eliminadas na Câmara. No Senado, o jogo poderá ter um resultado
diferente, se a marcação pelo Executivo for mais firme.
O relator do projeto, senador Armando Monteiro (PTB-PE), já
recuperou as condições negociadas com os governos estaduais. Austeridade
fiscal, no entanto, é assunto de pouco prestígio na política
brasileira. O Executivo federal terá de ser mais atuante para manter até
o fim da tramitação as contrapartidas previstas no acerto com os
Estados. O socorro agora negociado cria uma oportunidade para a
exigência de ajustes mais amplos na administração das finanças
estaduais.
Pelo acordo recém-concluído, os governadores deverão cortar
despesas com gratificações e pagamentos a funcionários comissionados e
temporários. Deverão também criar fundos com base em contribuições de
beneficiários de incentivos, apoiar a regulamentação de teto para a
remuneração do funcionalismo e contribuir com propostas para o projeto
de reforma da Previdência. Também terão de se envolver, enfim, no apoio à
proposta de criação de um teto para o aumento do gasto federal. Limites
para as despesas dos Estados deverão ser discutidos separadamente, mas o
assunto é parte do acordo negociado com o ministro da Fazenda.
Os governadores enfrentarão complicações políticas para cumprir
boa parte desses compromissos, mas terão de aceitar esse custo, se o
governo federal for capaz de seguir o roteiro anunciado pelo ministro
Henrique Meirelles. A crise da Previdência é geralmente discutida como
um grave problema fiscal da União, mas a questão é muito mais ampla.
O Tribunal de Contas da União identificou uma bomba-relógio nos
regimes de previdência de 23 Estados, do Distrito Federal e de 31
municípios. A expressão “bomba-relógio” foi usada pelo relator da
auditoria, ministro Vital do Rego. Pelo menos quanto ao sistema
previdenciário os governadores devem partilhar as preocupações das
autoridades federais.
O valor negociado como reforço financeiro para os Estados deve
sair das multas cobradas na regularização de recursos mantidos no
exterior. A divisão do tributo recolhido nessas operações foi decidida
sem dificuldade, porque a partilha do Imposto de Renda é prevista na
Constituição.
Houve alguma divergência, agora superada, quanto à repartição das
multas. Os recursos da repatriação, disse o governador do Rio de
Janeiro, Luiz Fernando Pezão, nem de longe resolverão a crise das
finanças fluminenses. “Nosso problema”, argumentou, “é estrutural.” Mas
estruturais são os problemas fiscais de todo o setor público, embora com
diferentes níveis de gravidade.
Até agora, o esforço mais sério de imposição de disciplina fiscal
aos Estados ocorreu na renegociação de suas dívidas, nos anos 1990. A
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, foi um
desdobramento desse trabalho. A disciplina funcionou por alguns anos,
mas seria preciso avançar em reformas para desengessar os orçamentos e
desarmar a bomba previdenciária. Ocorreu o contrário, no entanto, quanto
o PT, instalado no governo federal, estimulou os governadores a se
endividarem e abriu espaço para o aumento ao gasto corrente.
Agora, em vez de apenas avançar em relação à disciplina criada
nos anos 90, a autoridade federal terá de cuidar também do estrago
causado pela irresponsabilidade populista. Novas concessões tornarão
tudo mais complicado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
|