Entrevista José Roberto Afonso:‘Não vejo nenhuma luz no curto prazo’

Como a situação financeira do Estado do Rio chegou ao ponto em que se encontra?


A situação do Rio não é diferente da dos outros estados, salvo em questões particulares, como repasse de royalties, a dependência grande do petróleo do lado da receita e o gasto muito elevado proporcionalmente com os outros poderes (Judiciário e Legislativo). A crise do Rio antecede a que vai acontecer em outros estados. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e alguns outros estados também estão em crise. Os demais vão vir atrás, mais dia, menos dia.


O que gerou essa crise tão forte no Estado do Rio?


Um avião não cai só por um fator. Estruturalmente, o Rio era muito dependente de royalties de petróleo. E usou royalties, uma receita que oscila, para cobrir despesas permanentes, de pessoal e de dívida. Essa foi uma decisão que o Rio tomou respaldado e estimulado pelo governo federal, que colocou isso na rolagem da dívida, nos anos 90. Por lei, royalties de petróleo não podem ser usados para pagar pessoal e dívida, com exceção da dívida renegociada com o tesouro nacional, que legislou em causa própria. E também permitiu que o estado usasse os royalties para pagar previdência. Isso é imprudente. Mas é imprudência combinada. Quando o petróleo estava às mil maravilhas, tudo funcionou. Quando o petróleo desabou, a casa caiu.


O senhor citou ainda a questão do tamanho dos outros poderes (exceto Executivo). Esse é um fator que levou à crise?


Os outros poderes e os inativos. Se eu pegar a folha só dos servidores em atividade do Executivo, o Rio e o Espírito Santo são os dois estados que menos gastam no país. Posso converter essa folha em valores per capita, em proporção à receita e ao PIB. Quando coloco esses indicadores, a folha dos ativos do Executivo do Rio é pequena. O Rio se desestrutura quando pegamos as despesas com inativos e os outros poderes.


É por que o Rio tem muitos inativos ou por que seus ganhos são altos?


São as duas questões. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, há muitos inativos proporcionalmente a outros estados. No Rio, os inativos também têm uma aposentadoria per capita elevada.


No caso dos outros poderes, o que chama a atenção?


Quando se olha o orçamento dos outros poderes proporcionalmente ao número de habitantes, é muito maior o peso no Rio do que em São Paulo e em outros estados. Esse é um problema nacional. Só que aqui assumiu uma dimensão relativamente maior. O que aconteceu nos últimos 20, 30 anos é que os outros poderes ganharam peso e o Executivo foi perdendo. Então, a solução para o Rio não depende só dele, ainda que o trabalho principal de combate ao fogo tenha que ser feito dentro do estado. É preciso apoio de fora. Brasília não pode achar que o governo estadual vai resolver (o problema) sozinho.


Qual o futuro do Rio diante da decisão do presidente Temer de vetar o projeto que permite adiar o pagamento de dívidas?


O projeto, mesmo que não fosse vetado, não mudaria nada no curto prazo. Só postergaria o pagamento das dívidas.


Mas o governador Pezão parecia contar muito com isso...

Há uma questão peculiar ao Rio no caso da rolagem da dívida. Ao contrário dos outros estados, o Rio tem dois contratos. Os estados estão sem pagar a dívida por conta de liminar concedida pelo Supremo. No caso do Rio, o STF deu liminar para um contrato da rolagem e não deu para outro.


A situação pode piorar?


Se a receita continuar caindo, sim. Na verdade, 2017 tem um desafio para o Rio e outros estados, que é o de viver o pior dos mundos do ponto de vista fiscal: inflação baixa com recessão. Nos últimos dois anos, tivemos recessão, mas a inflação era alta. Agora, a inflação está baixa. Por que isso é ruim? Como governos e prefeituras em crise se financiam? Não é tomando crédito em banco, mas atrasando salários e o pagamento de fornecedores.


Então a gente vai ter mais estados chegando ao nível do Rio?


Sim. E o Rio cada vez mais longe de uma saída. Uma outra coisa a considerar é que, em 2016, o estado ainda teve algumas receitas extraordinárias, como saques de depósitos judiciais e o auxílio de R$ 2,9 bilhões do governo federal na Olimpíada. Isso não vai se repetir. Não teremos uma nova Olimpíada.


Os servidores do estado então vão passar fome...


Diria que já estão passando. Agora, há situações diferenciadas. Outros estados adotaram uma opção de dar um corte. Ou seja, pagam até um determinado valor. Com isso, não pagam os altos salários, e quem ganha pouco consegue receber integralmente.


Há uma luz no fim do túnel?


Não vejo nenhuma luz a curto prazo. Do lado da receita, aumento de impostos só vale para o exercício seguinte. Teria que ser aprovado em 2016 para valer em 2017. Além disso, as principais medidas teriam de ser feitas nacionalmente. Há soluções que dependem de cada governador, mas as mais importantes são alheias ao governo estadual.


Como mudanças previdenciárias?


Nesse caso, o que poderia ser feito no estado seria criar, por lei, o adicional previdenciário. Há uma tese de que esse adicional é uma contribuição da seguridade social, que pode entrar em vigor em três meses. O adicional (o projeto que o criava foi devolvido pela Alerj ao Executivo) ainda é a saída, inclusive para 2017. Defendo até que a União o adote para dar exemplo e um sinal para os estados. Esse adicional é para tapar o rombo previdenciário.


Essa é a saída para o Rio?


Diria que é a saída que resta. A mais estrutural, de volume. É uma medida que o estado pode adotar por conta própria. Acho também que o governo federal vai ter que dar uma ajuda diferenciada para o Rio. Mas não tenho dúvida de que ele só fará isso se o estado fizer o dever de casa.


Quando o senhor diz que a situação vai ficar pior em 2017, isso significa que não haverá dinheiro para pagar à polícia, por exemplo?

Se a recessão continuar com baixa inflação, será o pior dos mundos, porque a receita vai continuar caindo e a insuficiência para cobrir a despesa será cada vez maior. Como não se tem o suficiente para pagar a todos, que critério você usa para fazer os pagamentos? Isso é uma coisa para ser discutida. Quando você tem uma crise financeira, é preciso criar critério. Se o que eu tenho não é suficiente para pagar a todos os servidores, que critério vou usar para pagar a um e não a outro?


Para 2017, é urgente definir esse critério?


É urgente, pelo menos no curto prazo. É preciso ter um critério público, debatido com a sociedade. Por que pago a um e não a outro? Por que pago um valor e não pago outro? O único que faz dinheiro cair do céu é o governo federal, porque ele emite título e moeda. Ele pode atender o Rio de Janeiro? Até pode. Mas é uma questão de opção política. Por que dou a um e não a outro estado? Há também uma questão judicial. Tem uma restrição na Constituição: quando a União faz uma transferência voluntária, é proibido pagar salário.

Fonte: Jornal O Globo

Leia todas as notícias
 Voltar
 
Todos os direitos reservados © ASTCERJ 2010. Desenvolvido por Heaven Brasil e GNNEXT.