Num
ato extremo contra a falta de recursos, a Polícia Civil do Rio de
Janeiro decidiu escancarar sua fragilidade financeira pedindo apoio
externo no fornecimento de itens básicos a delegacias, como produtos de
higiene e materiais de escritório. Uma chamada pública no “Diário
Oficial do Estado”, em novembro, conclamou ajuda gratuita de empresários
para a “manutenção dos serviços em tempos de grave crise econômica”.
Na
saúde, queixas recorrentes de falta de equipamentos e de pessoal na
rede pública estadual levaram o Conselho Regional de Medicina local a
pedir, em outubro, uma intervenção federal, para evitar o colapso no
atendimento. A ingerência de Brasília deve ser formalizada nesta semana
num pacote amplo de socorro para equilibrar as contas públicas
estaduais. O alívio do resgate pode até afastar o cenário de caos, mas
não será suficiente para aplacar a impressão de um Estado pesado, que
tributa muito em relação ao que entrega em serviços aos 16,5 milhões de
cidadãos fluminenses.
Distorções acumuladas ao longo de anos
vinham sendo encobertas por receitas extraordinárias, como as de
royalties do petróleo e empréstimos. Com a recessão, a queda na
arrecadação escancarou os excessos e passou a cobrar um preço alto. Nas
contas do Tesouro Nacional, o Estado foi o que mais ampliou os gastos
com pessoal desde 2009. O cálculo dos técnicos federais revela
que a proporção entre a folha de pagamentos e a receita corrente líquida
vem superando, desde 2015, o teto estipulado na Lei de Responsabilidade
Fiscal, de 60%. Somente no Executivo, há 330 rubricas de remuneração, entre salários, benefícios, gratificações etc.
As
vantagens relacionadas vão desde prêmio por assiduidade até auxílio
fardamento, passando por gratificações por participação em grandes
eventos e adicional de conhecimento. Enquanto o salário-base, junto com o
adicional por tempo de serviço, corresponde a 50% do valor total da
folha de pagamentos na administração direta, a outra metade é composta
por essas rubricas adicionais. Segundo a Secretaria de Planejamento do
Rio de Janeiro, a folha de pagamentos é complexa porque envolve 80
órgãos diferentes e mais de 20 carreiras apenas na administração direta.
“Em
diversas situações, criar uma rubrica ou um complemento significa
aperfeiçoar os mecanismos de controle, algo que seria mais vulnerável se
optássemos por uma estrutura com denominações e regramento genéricos”,
afirma a Secretaria, em nota. O detalhe dos dados da folha de
pagamentos transparece o peso do Estado e ajuda a explicar o porquê da
impressão corrente de que a contrapartida de serviços é baixa. Mais da
metade dos gastos, de cerca de R$ 2 bilhões mensais, é direcionada para
remunerar aposentados e pensionistas.
Oito dos 26 órgãos da
administração direta gastam mais com os inativos do que com os
servidores ativos. E, em casos mais extremos, como na Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços (Sedeis), o
custo com os aposentados chega a ser quatro vezes maior. Até 2013, os
servidores podiam se aposentar recebendo o equivalente ao último
salário. A idade mínima é de 55 anos para mulheres e de 60 anos para
homens, mas militares e professores – que correspondem a pouco mais de
70% da folha de pagamento – tem regras especiais que permitem antecipar o
fim da carreira.
Graças às regras do passado, a média de
remuneração dos aposentados atualmente chega ao dobro da média dos
salários da ativa em certas secretárias. Na média, policiais militares
aposentados, por exemplo, recebem R$ 8.377 mensais enquanto a
remuneração na ativa é de R$ 5.413. Considerando toda a administração
direta, a média de idade de aposentadoria atualmente é de 55 anos. Outro
agravante no caso do Rio de Janeiro é que cerca de 70% das receitas
previdenciárias decorrem dos royalties do petróleo, que despencaram nos
últimos anos.
Só em 2015, o Estado deixou de arrecadar R$ 9
bilhões oriundos de royalties e impostos sobre a cadeia de petróleo. Já
as despesas não pararam de subir. O primeiro rombo foi registrado em
2014. Para 2017, a previsão é de um déficit de R$ 13 bilhões nas contas
da Previdência, o que corresponde a 65% do saldo negativo total de R$ 20
bilhões no Orçamento estadual. Isso explica por que o ajuste na
Previdência é um dos pontos centrais do acordo de socorro negociado com a
União.
A proposta é aumentar a contribuição previdenciária dos
11% atuais até o limite de 14% e criar ainda uma arrecadação extra
temporária em torno de 6% a 8% para os servidores, com aumento na
contrapartida do Estado. A primeira tentativa de ajuste apresentada pelo
governador Luiz Fernando Pezão à Assembleia Legislativa (Alerj) previa
uma contribuição adicional extraordinária de 16%, que somada ao aumento
da alíquota, exigiria um esforço extra de 30% dos servidores.
“Ficou
muito pesado, tanto que foi retirado da pauta da Alerj”, diz Reges
Moisés dos Santos, presidente da Rioprevidência, órgão responsável pela
previdência dos servidores (leia entrevista na aqui). A intenção era
obter um alívio de R$ 12 bilhões ao Estado. Nas negociações atuais, a
previsão é de R$ 3 bilhões em economia. A contribuição extra não será
suficiente para fazer frente ao desafio da previdência fluminense. O
crescimento vegetativo das despesas com benefícios supera 10% ao ano.
Em
simulações realizadas pela Rioprevidência, seria preciso chegar a uma
contribuição adicional de mais de 40% para resolver a questão, nível
considerado inviável. “Não há uma única mudança que vá resolver”, afirma
Santos. Um alívio adicional está previsto com a aprovação da reforma da
Previdência no Congresso, que estende para os Estados a regra de
igualdade entre homens e mulheres, a idade mínima de 65 anos e extingue
as aposentadorias especiais para professores. O problema da previdência é
uma questão comum à maior parte dos Estados.
Em um estudo
sobre o tema, o especialista em contas públicas Raul Velloso estima que
o déficit das previdências estaduais crescerá 9,6% ao ano, até alcançar
17% da Receita Corrente Líquida no conjunto dos Estados em 2020, ante
os 13,4% estimados para 2016. Velloso aponta medidas para
reduzir o impacto das aposentadorias sobre as contas públicas, tais como
a criação de uma nova loteria como fonte de financiamento, aumento das
alíquotas em caso de déficit e a venda de ativos em poder dos regimes
estaduais para a União.
Assim como Velloso, o especialista em
Previdência Paulo Tafner também vê necessidade de os Estados entregarem
ativos ao governo federal em troca de recursos para a previdência. “A
crise aguda da previdência nos Estados se acentuou em 2014 e vai até
mais ou menos 2024”, afirma Tafner. “Por uma década, os Estados viverão
uma penúria por conta da questão previdenciária. Foi um crime que
cometeram contra o País.” Os alertas sobre a necessidade de mudanças vêm
sendo feito há anos pelos especialistas, mas vinham sendo ignorados
pelos governantes nas épocas de bonança fiscal.
“Parece que não
notaram que o dinheiro estava diminuindo ano a ano”, afirma Roberto
Mohamed Amin Jr., especialista em Direito Previdenciário. “Agora todo
mundo vai ter de contribuir, senão haverá uma convulsão social.” Para o
Rio de Janeiro, o problema de caixa começa a ser resolvido com o
conjunto de medidas do pacote de socorro da União, que pode chegar a R$
50 bilhões, com empréstimos, suspensão de pagamentos de juros da dívida
com o governo federal e até corte de salários com redução proporcional
na jornada de trabalho.
Assim, o Estado conseguiria minimizar o
atraso no pagamento da folha dos servidores e de inativos. Para que
passe a valer, o resgate precisa ser aprovado no Legislativo estadual,
que até agora vinha rejeitando as medidas de ajuste. “Minha expectativa é
de que vai ser aprovado”, afirmou o presidente da Alerj, Jorge Picciani
em entrevista ao Valor Econômico. “Com muita guerra, mas vai ter mais
votos para a aprovação porque percebo uma mudança nesse entendimento.”
O
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou ainda que acordos de
recuperação como o do Rio de Janeiro estão disponíveis aos demais
governadores. “É um ajuste fiscal sério”, afirmou na segunda-feira 16.
“Não tenho certeza de que muitos Estados precisem fazer isso.” A lista
de potenciais interessados é encabeçada por Rio Grande do Sul e Minas
Gerais, que assim como o Rio de Janeiro, decretaram estado de calamidade
financeira. Seria uma maneira de combater o peso de fantasmas do
passado na Previdência e evitar repetir cenas como o apelo da polícia
fluminense aos empresários por itens básicos.
Fonte: Istoé Dinheiro
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