‘Precisa cortar na carne, ter boa vontade e peitar o governo
federal. A crise mexe com a economia, com a vida das pessoas”, ecoa
Ramon Carrera. Integrante do Movimento Unificado dos Servidores Públicos
Estaduais (Muspe), ele é uma das vozes que representam os mais de 400
mil servidores ativos, aposentados e pensionistas massacrados pela
situação de calamidade que tira o sono do povo fluminense.
As
noites de sono, aliás, insistem em ser pesadelo há mais de um ano, desde
quando o governo estadual deixou de garantir salários em dia — nem o
pão, a carne, o leite, os remédios e demais necessidades básicas da
população.
Direcionada ao governador Luiz Fernando Pezão, a
mensagem de Ramon é sentimento comum a pessoas de todos os setores
sociais quando questionadas sobre ‘Como tirar o Rio da crise?’. Para
ajudar os gestores públicos a cumprir a obrigação assumida por eles
mesmos, de porta em porta e nas propagandas de TV— gerir a coisa pública
—, O DIA ouviu opiniões de economistas, especialistas
em finanças, representantes da indústria, funcionários públicos e
prefeitos que têm tentado administrar os respingos do problema em suas
cidades.
Outra certeza compartilhada por todos é que o
alívio imediato para a corda no pescoço do Rio só virá com urgente
intervenção financeira da União. “Primeiro, o governo federal tem que
pagar o que deve ao Rio, perto de R$ 50 bilhões só por conta da Lei
Kandir, legislação de incentivo à exportação criada pelo governo
Fernando Henrique. Já a dívida com royalties é de quase R$ 10 bilhões,
se pagar os atrasados”, cobra o economista Mauro Osorio, professor da
UFRJ.
A tal lei virou um verdadeiro imbróglio
para os estados. Criada nos anos 90, a medida visava impulsionar as
exportações do país, que estavam em baixa. Na época, o governo federal
prometeu que os entes abririam mão de arrecadar o imposto e, em
contrapartida, a União recompensaria as perdas.
“Mas o valor que
poderia recompensar os estados se perdeu ao longo do tempo. O Supremo
(Tribunal Federal) decidiu que o Congresso deve regulamentar a
compensação até o fim do ano. Se não fizer, ficará a cargo do Tribunal
de Contas da União, o que é estranho, pois não teria participação dos
estados”, reforça o economista Raul Velloso, especialista em Finanças
Públicas.
Cortar na carne, para Cláudio Carneiro, especialista em
Direito Tributário e Financeiro, exige de Pezão acabar com regalias
concedidas a empresários pelo antecessor, Sérgio Cabral, preso em Bangu
acusado de desvios milionários.
“A crise no estado se deu por
força do ralo de corrupção que foi muito significativa”, assegura. E
defende que políticos e funcionários do alto escalão do governo não
tenham direito a mais que cidadãos que usam o transporte público ou
pagam combustível para ir ao trabalho.
Firjan: empréstimo federal é a solução
Uma
das saídas defendidas pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (Firjan)) para que o Rio de Janeiro possa liquidar dívidas
herdadas e se livrar do grave colapso financeiro em que se afundou é um
empréstimo federal. O valor acumulado dos restos a pagar — dívidas
contraídas no ano passado e deixadas para 2017 — é de R$ 11,1 bilhões, o
equivalente a 24% da Receita Corrente Líquida.
Como O DIA publicou no dia 5, estudo lançado pela entidade no início do mês
apontou que o projeto de lei que trata da recuperação fiscal dos estados
superindividados (Regime de Recuperação Fiscal) em debate no Congresso
não seria suficiente para resolver o problema das unidades da Federação
em calamidade.
O projeto de recuperação fiscal e
renegociação das dívidas estaduais, encaminhada ao Congresso pelo Poder
Executivo, garante a redução temporária do pagamento da dívida dos
estados que têm débito com a União a partir da adoção de um plano de
recuperação como contrapartida.
Em troca da negociação das dívidas, o plano prevê que os
estados endividados possam elevar alíquotas de contribuição social de
servidores, reduzir incentivos tributários, além de privatizar as
empresas que prestam serviços financeiros, de energia e saneamento.
Desde a semana retrasada, deputados da oposição vêm atuando firme para
obstruir a votação do projeto.
Além do crédito de
R$ 11,1 bilhões, a Firjan defende que o governo federal volte a incluir,
com urgência, os servidores estaduais na proposta da Reforma da
Previdência. Para o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, o
Regime de Recuperação Fiscal (RRF) não se sustenta a médio prazo. E, por
isso, sugere ações adicionais.
“Os estados
chegaram a uma situação em que não há sequer recursos para pagamentos de
serviços essenciais e, na medida em que os entes não têm capacidade de
se endividarem mais, a única solução para evitar o agravamento é de fato
a União resolvendo esse problema de liquidez dos estados pelo
empréstimo”, afirmou o economista, defendendo que, em contrapartida, os
entes reduzam gastos públicos.
Mercês sustenta que o
Rio e demais estados superendividados terão fôlego para adotar as
medidas de austeridade rumo ao equilíbrio de suas contas se os restos a
pagar de 2016 forem cobertos com o empréstimo da União. O economista
defende ainda que o pagamento do empréstimo deva ser feito pelo estado
só após a vigência do RRF — daqui a seis anos —, a longo prazo e com
juros baixos. O objetivo é que, assim, o estado não seja mais
sacrificado.
O estudo da Firjan afirma que o Rio Grande do Sul
enfrenta a pior situação entre os entes superindividados, com dívidas
acumuladas em R$ 14,5 bilhões (42% da Receita Corrente Líquida). Em
segundo lugar vem o Rio de Janeiro e, em terceiro, Minas Gerais.
O
coordenador de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, alertou
que “o Rio tem 24% do orçamento comprometido com restos a pagar”,
citando serviços já prestados e salários de servidores. Goulart
ressaltou ainda que não há nem de onde retirar recursos para quitar
essas pendências, a não ser por meio do crédito concedido pela União.
Servidores esperam segurança
Lado
mais corroído da corda que arrebenta com a crise financeira, os
servidores públicos, representados pelo Muspe (Movimento Unificado dos
Servidores Públicos Estaduais), apresentaram em novembro à Assembleia
Legislativa 15 propostas para tirar o Rio da crise.
Ao
todo, 212 mil servidores ativos, inativos e pensionistas receberam o
salário de fevereiro na sexta-feira, com quase um mês de atraso. O grupo
enfrentou o mais longo período de jejum salarial desde o início da
crise. O governo promete pagar amanhã as remunerações dos servidores da
Casa Civil, os únicos que não receberam na sexta.
Ramon
Carrera, integrante do Muspe, chama atenção para que pelo menos algumas
sugestões sejam atendidas o mais breve possível. A primeira diz
respeito à dívida ativa do estado.
“O governo diz que tem R$ 66 bilhões na dívida ativa.
Embora esse valor seja superestimado, é uma receita que não dá para
desprezar. Supondo que o governo não tem estrutura e pessoal para
executar essa dívida e que precise de socorro imediato, a sugestão é que
ele transfira parte da dívida de empresas que ainda existem para a
União e a União passa a ser a credora”, propõe, ressaltando ser a
meneira mais eficiente para recuperar os valores.
Outra
medida encampada pelo Muspe é que o governo estadual suspenda e revise
todas as isenções fiscais concedidas à iniciativa privada. “Suspender,
porque cancelaria as que estão em vigor e que não atendem aos protocolos
do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Muitas foram
dadas até por atos administrativos de secretários de Fazenda”, diz
Carrera.
Em seguida, a ideia é que o governo estude se
as empresas beneficiadas cumpriram contrapartidas esperadas para, então,
decidir quais isenções seriam mantidas. “Isso faria o estado arrecadar
imediatamente”, avalia.
A terceira ação cobrada pelo
Muspe é que o governo “corte na própria carne”, diminuindo o número de
secretarias e de cargos comissionados. “O governo não diz quantos são
comissionados. Prometeu que reduziria em 20% o número de secretarias.
Mas, de dezembro para cá, foram reduzidas apenas 6%”, ressalta o
sindicalista, que também é diretor do SindJustiça (Sindicato dos
Servidores do Poder Judiciário).
Ramon Carrera cobra revisão
dos contratos e renegociação de restos a pagar, que, segundo ele, somam
R$ 13 bilhões em 2015 e 2016. A sugestão é tentar dilatar os prazos para
pagamentos, incluindo para dívidas com Organizações Sociais.
“Sem
contar os atrasos salariais dos servidores, há dois grandes problemas
no estado. O primeiro diz respeito à dívida com fornecedores. A gente
teme que o Rio pare devido ao não pagamento aos fornecedores”, destaca o
integrante do Muspe.
O segundo problema mencionado por Ramon é a
dívida do governo federal com o Estado do Rio referente à Lei Kandir,
que, desde 1996, desonera o ICMS sobre exportações de produtos primários
e semielaborados. As perdas estimadas dessa arrecadação para o Rio
entre 1997 e 2015 foram de R$ 51 bilhões, segundo estudo da Fundação
Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).
“A gente não
está pedindo que a União pague tudo de uma vez, mas que faça esse acerto
parceladamente, ao longo dos anos”, finaliza Carrera.
Prefeitos buscam novas ideias
"A
solução para o momento de crise é distribuir melhor as receitas
federais. A grande concentração dos recursos arrecadados fica com o
governo federal, não vem em peso para as cidades que sofrem muito com
isso. Já com relação ao estado, o governo precisa reduzir seu custeio
fixo, tem que modernizar a arrecadação, com o aumento da fiscalização e
desburocratizando o processo de regularização das empresas.
O
estado precisa que o Congresso Nacional aprove o pacote de socorro que
está em Brasília. Essa é a solução imediata. Se não suspender o
pagamento da dívida, toda hora o dinheiro será bloqueado pela Justiça,
prejudicando os repasses às cidades".
Carlos Vilela, prefeito de Queimados
"A
situação do Rio de Janeiro passou de crítica para dramática sem medidas
estruturantes que encaminhem a superação da crise. O governo federal
precisa entender que o Rio é porta de entrada do Brasil, uma caixa de
ressonância para os outros estados. No horizonte de 2017, só há uma
possibilidade de estabilizar minimamente esse quadro: com apoio concreto
de recursos federais.
O programa de recuperação fiscal dos estados e a
proposta de uma moratória de 3 anos da dívida com a União é importante,
mas insuficiente. É necessário ainda uma refundação do estado, que
deixou de existir na medida em que não paga salários e que deixou de
prestar serviços básicos. Passou da hora de o governador buscar diálogo
com forças sociais e políticas para implementar medidas de ajuste
estrutural de ampliação da receita, de redução de despesa e retomada da
agenda de desenvolvimento para o Rio."
Rodrigo Neves, prefeito de Niterói
Somente
na nossa região, há cerca de 14 mil desempregados por conta, também, da
crise do petróleo. Recebemos uma prefeitura com mais de 200 milhões de
dívida.
Estamos licitando novos contratos da
saúde para retomar serviços, já iniciamos convênios com outros
municípios para realização de exames essenciais (...) Na segurança,
embora não seja responsabilidade do município, estamos resgatando a
parceria com as Polícias Civil e Militar que estão atuando com a Guarda
Municipal. Estamos trabalhando na atração de novos investimentos para a
cidade. Só com muito trabalho, criatividade e parceria com a iniciativa
privada vamos superar a crise.
Carlos Augusto, prefeito de Rio das Ostras
"Recebemos
a prefeitura com dívida de R$ 1 bilhão. Diante da grave situação
financeira, anunciei 14 medidas. Entre elas: todos os pagamentos
precisarão de pareceres da Procuradoria e da Controladoria do município;
os cargos comissionados e contratados serão substituídos; os bens
imóveis da prefeitura serão recadastrados; as contratações sem licitação
serão revistas; o uso do pregão eletrônico será estimulado em todas as
contratações e operadores de cartões serão obrigados a apresentar
relatórios sobre as vendas registradas no município, para evitar
sonegação".
Samuca Silva, prefeito de Volta Redonda
Economistas cortam mais gastos
"No
passado, foi retirado o ICMS sobre a exportação de produtos básicos e
semielaborados (Lei Kandir). Primeiro, houve uma tentativa de recompor
as perdas, mas o valor que poderia recompensar os estados se perdeu ao
longo do tempo.
O Supremo decidiu que o Congresso deve
regulamentar a compensação até o fim do ano. Se não fizer, ficará a
cargo do TCU, o que é estranho, pois não teria participação dos estados.
Os estados precisam se reunir e levar ao Congresso uma proposta de
regulamentação razoável que atenda os dois lados (estados e União).
Como essa razão se perdeu na legislação, os
estados não deveriam ficar só em cima da Lei Kandir. Desde 88, várias
mudanças produziram perdas de receita e essa é só uma delas. Um exemplo
foi a desoneração do IPI no governo Dilma. Os estados deveriam calcular
essas perdas.
Vai aparecer um valor acima de
R$ 1 trilhão. Não faz sentido cobrar essa dívida, mas deveriam pleitear
pelo menos a recomposição da perda do último ano desse cálculo, em torno
de R$ 100 bilhões. Essa discussão deveria ser levada ao Congresso".
Raul Velloso, Especialista em Finanças Públicas
"Primeiro,
o governo federal tem que pagar o que deve ao Rio, perto de R$ 50
bilhões só por conta da Lei Kandir, legislação de incentivo à exportação
criada pelo governo Fernando Henrique em 1996. A dívida com royalties é
de quase R$ 10 bilhões, se pagar os atrasados.
A médio e
longo prazo, precisa avançar a estrutura produtiva. Temos poucas
empresas privadas, pouca base para arrecadação do ICMS. Logo, a receita
pública é baixa. E, terceiro, mudar a lei do ICMS para exploração de
petróleo. Porque, hoje em dia, o ICMS é cobrado onde a riqueza é
produzida para todas as atividades.
Há duas exceções:
extração de petróleo e produção de energia elétrica. O que compensava de
alguma forma era a receita de royalties que o estado recebia, só que os
royalties agora são divididos com o Brasil inteiro. É preciso que se
mude essa regra para que a gente possa cobrar o ICMS sobre em uma
atividade importante para o Rio, como é a extração de petróleo".
Mauro Osorio, Economista, professor da UFRJ
"A
saída imediata para a crise só pode vir de participação financeira do
governo federal. Para reflexo a longo prazo, antes de o governo procurar
aumentar tributos que recaiam na população, deve rever todos os
benefícios fiscais implementados no governo Sérgio Cabral e reduzir
significativamente os gastos imediatos, projetando isso para o Orçamento
de 2018.
A crise instaurada no estado se deu por força
do ralo de corrupção que foi muito significativa no Rio devido aos
desvios milionários feitos pelo ex-governador. É preciso implementar no
estado as mesmas normas aplicadas nas empresas. Ou seja, um modelo
administrativo compatível com a receita. Isso implica em cortar cabides
de empregos, despesas desnecessárias, regalias como carros, motoristas e
auxílios para alguns grupos de servidores que a população não possui."
Fonte: Jornal O Dia
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