Por maioria de votos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
concederam parcialmente a ordem no Mandado de Segurança (MS) 24781 e
cassaram a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que julgou
ilegal a aposentadoria do médico e professor Mazureik Miguel de Morais,
que havia sido concedida há 11 anos, sem que lhe fosse assegurado o
direito ao contraditório e à ampla defesa.
No julgamento de hoje, prevaleceu o entendimento que assegura ao
aposentado, pensionista ou reformado o direito ao contraditório e à
ampla defesa caso o processo administrativo que avalia a legalidade da
concessão de sua aposentadoria, pensão ou reforma não seja julgado pelo
TCU em cinco anos. O entendimento decorreu de voto-vista do ministro
Gilmar Mendes e prevaleceu sobre o voto da relatora, ministra Ellen
Gracie, que concedia a ordem parcialmente apenas para isentar o médico e
professor da devolução dos valores recebidos, sendo seguida pelo
ministro Dias Toffoli.
Argumentos
“No caso em exame impressiona-me o fato de que o impetrante estava
recebendo o benefício da aposentadoria há mais de 10 anos quando o TCU
julgou ilegal o ato de concessão e determinou seu cancelamento. Na
espécie, não se tem apenas a reforma do benefício, mas a sua própria
anulação. Portanto, trata-se de medida drástica que está sendo efetivada
em detrimento de um cidadão que gozava de aposentadoria que possuía
total aparência de legalidade até receber a notícia de que o TCU havia
cassado sem lhe conceder a oportunidade de se defender”, afirmou Mendes.
O ministro acrescentou que não consta dos autos qualquer informação
que possa levar à conclusão de que tenha havido, por parte do
aposentado, qualquer conduta qualificadora de má-fé e, passados mais de
10 anos do ato de concessão de aposentadoria, não se pode exigir que o
impetrante tenha pleno conhecimento da precariedade dos atos praticado
pelo órgão público que lhe concedeu aposentadoria.
Ele exercia funções em três diferentes órgãos: foi professor na
Universidade da Paraíba e médico no Instituto de Administração
Financeira da Previdência Social (IAPAS) e na Fundação Legião Brasileira
de Assistência. Aposentou-se, respectivamente, em 25/06/1991 (UFPB),
17/7/1992 (IAPAS) e 31/12/1992 (LBA). Em 21/10/2003, a Segunda Câmara do
Tribunal de Contas da União julgou ilegal o ato de aposentadoria no
cargo de médico do IAPAS com vigência a partir de 17/07/1992, tendo em
vista que a acumulação de proventos do impetrante seria indevida.
O ministro Gilmar Mendes lembrou que sua posição encontra respaldo em
recente jurisprudência da Corte (como o MS 24748), que passou a exigir
que o TCU assegure ampla defesa e contraditório, nos casos em que o
controle externo da legalidade exercido pela Corte de Contas para
registro de aposentadorias e pensões ultrapasse o prazo de cinco anos,
sob pena de ofensa ao princípio da confiança, “face subjetiva do
princípio da segurança jurídica”. Mendes salientou a importância de um
diálogo institucional com o TCU, já que a decisão do Supremo vai obrigar
uma mudança no processamento de registros e avaliações. “Estamos sendo
ponderados no sentido de não impormos uma condição que é de difícil
execução de imediato”, afirmou.
Decadência
O ministro Cezar Peluso votou, vencido, pela concessão integral do
MS, apontando a decadência*. Para ele, o TCU tem plenas condições de
julgar a legalidade de atos concessivos de pensões, aposentadorias ou
reformas num prazo de cinco anos, principalmente após a informatização.
Peluso defendeu a tese de que deve haver decadência, caso o processo
fique por mais de cinco anos no TCU sem que haja julgamento, porque é a
vida das pessoas que está em jogo. “Sei que é um ponto de vista
vencido, por ora, mas acho que a Corte tem que continuar pensando nisso
porque não se pode alterar a vida das pessoas depois de tantos anos. A
grande maioria dos servidores públicos, quando se aposenta, nem imagina
que o ato de aposentadoria está sujeito à revisão. Eles acham que aquilo
é definitivo. As pessoas mudam de vida, de lugar, de hábitos, mudam de
economia. E passados não sei quantos anos vem o TCU e diz que não pode
receber mais? É a vida das pessoas que está em jogo”, ressaltou.
Alerta
O ministro Marco Aurélio, que votou pelo indeferimento total da
ordem, alertou que, dificilmente, o TCU aprecia a legalidade de uma
aposentadoria antes de cinco anos. “Precisamos marchar com cuidado sob o
ângulo da decadência proposta porque nós sabemos que quem levanta o
tempo de serviço, quem calcula os proventos, é o órgão de origem, e aí
nós teremos, em razão da decadência, a legitimação de uma série de
situações jurídicas que poderão ser discrepantes. É por isso que se
exige o pronunciamento da Corte de Contas”, asseverou.
Quanto ao mérito, o ministro Marco Aurélio apontou a ilegalidade da
tríplice aposentadoria. “A Carta da República contempla a dupla
aposentadoria no tocante a cargos acumuláveis em atividade. Indaga-se:
seria possível acumular dois cargos de médico e um cargo de professor? A
resposta está no artigo 37, inciso XVI, da Constituição, e é negativa.
Se não podia acumular, em atividade, os três cargos, não cabe agasalhar a
tríplice aposentadoria”, afirmou.
VP/CG
*Decadência: Extinção de um direito pela inércia de seu titular, quando a eficácia
desse direito estava originalmente vinculada ao exercício dentro de
determinado prazo, que se esgotou, sem o respectivo exercício.
Fonte: STF
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