JB entrevista José Maurício Nolasco, presidente do Tribunal de Contas
Por: JB - Jornal do Brasil

Flávia Salme, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Após se declarar surpreendido pela proposta da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) de criar um Tribunal de Contas dos Municípios, a fim de avaliar os repasses e execuções orçamentárias de 91 municípios fluminenses, o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), José Maurício Nolasco, saiu em defesa da entidade que preside. Dizendo-se pronto para o embate, acusa os autores do projeto de deflagarem uma “guerra institucional” e ameaça recorrer ao STF. Para Nolasco a PEC 60 tem motivação pessoal, e vai gerar prejuízos estimados em R$ 82 milhões aos cofres estaduais.

Na próxima terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio deve votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 60, que cria o novo tribunal. Se aprovada, vai retirar do Tribunal de Contas do Estado o poder de fiscalizar os repasses e gastos de 91 prefeituras fluminenses, com exceção apenas da capital, que é monitorada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). A proposta de autoria dos deputados Cidinha Campos (PDT), Marcelo Freixo (PSOL), André Corrêa (PPS), Gilberto Palmares (PT) e Paulo Ramos (PDT) é polêmica, e desde o fim de fevereiro suscita debates acalorados na Alerj, no TCE e também fora dos territórios das duas instituições. A seção regional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) já se declarou contrária à criação do novo órgão, como se manifestou recentemente o presidente da entidade, Wadih Damous.

Na Alerj, o texto original recebeu 54 emendas e ganhou redação final no último dia 2. Se sancionado, o novo tribunal vai carregar 50% dos 1.725 servidores do TCE, e continuará a ser conduzido, a exemplo do que acontece hoje, por conselheiros indicados pela Alerj, pelo governador do Rio e pelo Ministério Público do estado.

A seguir, o presidente do TCE defende a inconstitucionalidade da proposta e apresenta outros motivos para que ela não saia do papel.

O senhor afirma que a PEC 60 abre uma “guerra institucional”. Por quê?

Infelizmente, essa proposta nasceu de maneira pessoal. A Alerj instaurou uma CPI para investigar três conselheiros do TCE-RJ indiciados pela Polícia Federal. Eles conseguiram, na Justiça, barrar a investigação dos parlamentares. Me parece que, para retaliar, os deputados criaram a PEC 60, que, ao meu sentir, é inconstitucional. Agora, essa briga está virando institucional. Somos sete conselheiros e 1.718 servidores. Com base em indícios contra três pessoas insurgir um ataque violento ao TCE-RJ me parece despropositado. Recentemente, estudo da ONG Transparência Brasil mostrou que mais da metade dos deputados da Alerj respondem a processos na Justiça. Apesar disso, eu não digo que a Assembleia é corrupta ou defendo a criação de uma nova casa legislativa. Esses ataques não são bons para ninguém.

Se o novo tribunal for aprovado, o senhor vai mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF)?

Sim, vou recorrer. Essa PEC tem cicatrizes profundas de inconstitucionalidade. Veja o texto inicial, recebeu 54 emendas. Se o STF discordar de mim, acolherei. Mas acho que, além de inconstitucional, esse novo tribunal vai gerar mais gastos para os cofres públicos, embora o texto da proposta diga o contrário. Mas será preciso no mínimo uma sede, um prédio, computadores, mobiliário... Quem vai pagar isso? O contribuinte, claro.

Os autores da proposta alegam que a criação do novo tribunal seria a única maneira de enfrentar desvios no TCE: cortar a principal “fonte de lucro e corrupção” que, segundo afirmam, teria origem na relação com os municípios. Como senhor rebate esse argumento?

Com a maior clareza. Essas acusações de corrupção no TCE-RJ têm origem na Operação Parságada da PF, que apurou a liberação fraudulenta do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a cidades devedoras do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No inquérito foram indiciados três conselheiros (José Gomes Graciosa, José Nader e Jonas Lopes de Carvalho Junior). Eles conseguiram na Justiça a anulação do indiciamento, mas a investigação segue. Fora essa questão pontual, desafio qualquer um a apontar deslizes. Eles (os parlamentares) têm que nominar e apontar onde estão os corruptos, e não dizer que o TCE é corrupto, isso é uma grande injustiça. Em momento algum eu disse que a Alerj é uma instituição corrupta, como nunca direi.

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, que já se manifestou contra a criação desse novo tribunal, argumenta que há necessidade de adequações no TCE-RJ, “que é um órgão que não atende aos anseios da sociedade, no sentido da moralização da vida pública”. Contudo, ele afirma que a criação de um novo órgão não é "correta do ponto de vista legal". Segundo Damous, a melhor saída seria reformar o TCE-RJ. O senhor concorda? Se sim, o que seria necessário a essa reforma?

Concordo em partes. Chegamos a um momento altamente importante em que a Alerj, a OAB-RJ, o TJ-RJ e o MP-RJ podem nos ajudar. O TCE-RJ é uma instituição modelar, investimos pesado na capacitação dos nossos servidores – cabe ressaltar que 70% são estatutários do tribunal, os outros 30% se dividem entre servidores cedidos por órgãos distintos e cargos comissionados. Mas podemos e queremos melhorar. Veja que boa oportunidade: o conselheiro José Nader acaba de se aposentar compulsoriamente. A vaga dele é da Alerj, caberá à Casa legislativa indicar um substituto. É um ótima oportunidade para votarem em um quadro técnico, como eles defendem com a criação desse novo tribunal. Por que a Casa não vota a proposta para a criação de uma corregedoria no tribunal e do cargo de auditor substituto, conforme projeto que apresentei a eles em 2009?

Que opinião o senhor tem sobre o fato de os conselheiros serem empossados por indicação política e terem vitaliciedade no cargo? A ideia de mandatos lhe agrada?

Não acho que ninguém seja perene em lugar nenhum, mas isso não passa por vontade própria do presidente do TCE-RJ ou dos parlamentares da Alerj. Os cargos são preenchidos por indicação, porque é assim que rege a Constituição federal e a Constituição estadual. Para mudar isso, tem que mudar a lei. Sou um homem que cumpre rigorosamente a lei do meu país, Se mudarem a lei, estou de pleno acordo. Mas esta é uma oportunidade de esclarecer algumas coisas: o governador do estado pode indicar três conselheiros (uma dessas indicações precisa ser do Ministério Público). A Alerj pode indicar quatro, completando as sete vagas no total. Se tem alguma situação ruim aqui, foram eles que criaram, como mostra o texto de justificativa da PEC 60.

O senhor afirma que o TCE-RJ é uma instituição modelar. Em que exemplos sustenta essa afirmação?

Basta olhar os recentes escândalos municipais que contribuíram para os trabalhos da Polícia Federal, da Polícia Civil e do Ministério Público. Na Operação Sanguessuga (que apurou superfaturamento e direcionamento de licitações nas compras de ambulâncias com recursos federais), por exemplo, foram realizadas inspeções em 35 municípios fluminenses que resultaram na aplicação da penalidade de multa e obrigação de restituição de dinheiro para os cofres públicos a pelo menos 79 agentes políticos, entre prefeitos e servidores, no total de R$ 430 mil. Cito ainda a Operação Uniforme Fantasma e Telhado de Vidro. Somente nas auditorias realizadas em 2009, a aplicação de multas e a apuração dos danos, além da identificação dos responsáveis por diversas irregularidades, alcançou a ordem de R$ 83 milhões. Por tudo que esses dados representam, a alegação de que o TCE-RJ, como um todo, é ineficiente a ponto de justificar a criação de um novo órgão de controle dos municípios é, no mínimo, precipitada e inoportuna.

Essa notícia foi publicado na quinta-feira, 11 de março de 2010 e pode ser vista neste link.

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