TCU define destino de erro de R$ 7 bi em contas

As distribuidoras de energia elétrica enfrentam hoje o risco de uma "quarta-feira negra" e movem as últimas peças para evitar um baque em suas finanças. Quatro anos depois de ter apontado um "erro" na fórmula de reajuste das tarifas, entre 2002 e 2009, o Tribunal de Contas da União marcou para hoje uma sessão em que seus ministros pretendem definir se os consumidores deverão ser ressarcidos pelos valores cobrados indevidamente nas contas de luz. O impacto é estimado em R$ 7 bilhões pelo TCU.

O próprio tribunal se dividiu, aumentando a expectativa em torno do pronunciamento dos ministros. Um parecer dos auditores responsáveis pela identificação do "erro" defende a devolução dos valores ou uma compensação nos futuros reajustes.

Já o procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, tem opinião oposta. Para ele, as distribuidoras "em nada contribuíram para o possível erro metodológico" e "simplesmente sujeitavam-se à aplicação da fórmula de reajuste tarifário prevista no contrato de concessão". Por isso, segundo parecer de Furtado encaminhado aos ministros e obtido pelo Valor, o ressarcimento "compromete a estabilidade das concessões" e "poderá representar um desestímulo a novos investimentos".

De acordo com a auditoria feita pelo TCU em 2008, a fórmula aplicada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos reajustes anuais dividia as despesas com todos os encargos embutidos nas contas de luz pelo número de consumidores. No entanto, segundo o tribunal, o cálculo não levava em conta o aumento da demanda e o resíduo - estimado em R$ 1 bilhão - ficava com as distribuidoras. A Aneel alterou essa fórmula e as empresas aceitaram assinar termos aditivos aos contratos de concessão, mas sem admitir nenhum tipo de "erro" ou a possibilidade de ressarcimento dos consumidores.

O número citado pelo TCU é bastante polêmico. Em ofício, a agência reguladora chegou a calcular que esse resíduo foi de R$ 630 milhões em 2009, pegando um universo de dez grandes empresas do setor - estão na lista a Eletropaulo, a CPFL, a Cemig e a Copel. Para o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), que presidiu a CPI das Tarifas de Energia Elétrica, isso indica um ressarcimento provavelmente superior a R$ 1 bilhão por ano, considerando a atualização dos valores e o universo total de 63 distribuidoras.

Eduardo da Fonte apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos da decisão da Aneel que impediu o ressarcimento. O projeto tramita na Câmara dos Deputados e entrou na pauta de hoje da Comissão de Defesa do Consumidor, o que deixa as distribuidoras em alerta duplo. Para "não causar transtornos" às empresas, segundo o parlamentar, ele propõe um abatimento "nos próximos reajustes anuais" como forma de compensar os consumidores pelos valores cobrados indevidamente.

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) rejeita a tese de cobrança indevida e sustenta que o "risco de demanda" cabia a cada concessionária. O presidente da entidade, Nelson Fonseca Leite, adverte sobre o risco de "quebra de contrato" com a decisão do TCU, mas se diz otimista. "Imaginamos que o tribunal preservará a segurança jurídica no país."

O setor tem faturamento líquido em torno de R$ 90 bilhões, o que dá uma ideia do possível estrago nos balanços das distribuidoras. Mesmo em um caso de derrota, no entanto, a Abradee trabalha com valores muito menores. Conforme ressalta Nelson Leite, a mudança na fórmula da Aneel atenuou em 0,3 ponto percentual o reajuste médio das distribuidoras, em 2009. Ele afirma que o ressarcimento, se determinado pelo TCU e aplicado pela agência reguladora, pode significar uma devolução de R$ 0,50 por mês para os consumidores.

Os advogados da Abradee capricham nas metáforas para ilustrar a "ilegalidade" da discussão sobre um eventual ressarcimento: dizem que mexer nas contas de luz do passado equivale a atirar a flecha para depois desenhar o alvo ou a fazer seguro novo para um carro que já foi roubado.

"O importante a frisar é que não reconhecemos a existência de nenhum erro", diz Nelson Leite. Ele pondera, inclusive, que um punhado de distribuidoras, entre as quais a Light, viram a demanda cair e, portanto, deveriam receber a mais dos consumidores pelas contas de luz faturadas entre 2002 e 2009, caso prevaleça o pedido dos consumidores.

Ontem à tarde, uma frente composta por quatro entidades - Fundação Procon/SP, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a associação Proteste e a Federação Nacional de Engenheiros - entregou petição ao TCU argumentando que a mera correção da fórmula de reajuste das tarifas pela Aneel é "insuficiente e ilegal". Elas pedem que os valores cobrados "indevidamente" sejam devolvidos nos próximos cinco anos, na forma de descontos nos reajustes anuais.
Qualquer que seja a decisão tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a controvérsia que opõe distribuidoras de energia elétrica a associações de consumidores não verá hoje seu capítulo final. O Ministério Público Federal (MPF) promete seguir fechando o cerco às empresas.

Nove Ações civis públicas pedem devolução

O Valor apurou que pelo menos nove ações civis públicas já foram abertas nos tribunais do país para pedir o ressarcimento dos valores cobrados "indevidamente" nas contas de luz. A estratégia do MPF, coordenada pela 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, é ter pelo menos uma ação tramitando em cada região em que a Justiça Federal é dividida.

As ações civis que já estão em andamento abrangem distribuidoras do Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. De acordo com a Abradee, associação que representa as concessionárias de distribuição, nenhuma liminar foi deferida pela Justiça até agora.

O procurador Alexandre Amaral Gavronski, que abriu ações contra as empresas gaúchas AES Sul e CEEE, avalia o caso como "um divisor de águas" na história da regulação no Brasil. Na visão dele, uma determinação do TCU à Aneel para o ressarcimento dos valores cobrados entre 2002 e 2009 fortalece a posição pró-consumidor, mas "não esgota totalmente a questão", já que as distribuidoras certamente vão recorrer. "Só vamos nos contentar quando o assunto for definitivamente resolvido", diz Gavronski.

A estratégia do Ministério Público é conseguir uma decisão de primeira instância neste ano e provocar um pronunciamento do Tribunal Regional Federal, em qualquer uma das cinco regiões, em 2013. "Mas, no fundo, o que vai valer é a posição do Superior Tribunal de Justiça. Quando isso ocorrer, passará a valer para todas as distribuidoras. Temos plena consciência de que esse assunto deve ser resolvido nacionalmente", afirma o procurador.

Nas ações propostas por Gavronski, o pedido de ressarcimento chega a R$ 340 milhões no caso da AES Sul e a R$ 252 milhões para a CEEE, que correspondem aos "erros" nos reajustes tarifárias entre 2002 e 2009.

Os advogados da Abradee, que rejeitam a tese de "erro" nas contas de luz, lembram um ponto importante: o próprio TCU, ao aprovar os leilões de privatização das distribuidoras nos anos 90, deu sinal verde à fórmula de reajuste que foi sendo aplicada pela agência reguladora desde então.

Em recente audiência pública, na Câmara dos Deputados, o diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, advertiu que a eventual exigência de ressarcimento aos consumidores pode caracterizar "quebra de contrato" com as distribuidoras e aumentar a percepção de risco dos investidores.

Hubner lembrou que a agência diminuiu, de 9,95% para 7,5%, a taxa de remuneração do capital investido para o período de 2011 a 2015. Essa redução, segundo ele, só pôde ocorrer graças à segurança jurídica e à queda do risco regulatório, entre outros indicadores, o que agora estaria ameaçado. (DR)

Fonte: Jornal O Valor Econômico

 

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