A contundência e o rigor da escolha das palavras têm sido a marca dos
votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal no trato do mensalão,
desde o acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República, em
agosto de 2007.
Há cinco anos expressões como "esquema escancarado" (Marco Aurélio
Mello); "fatos extremamente graves" (Celso de Mello); "denúncia típica
de quadrilha ou bando" (Ayres Britto); "mentor supremo da trama", de
Joaquim Barbosa ao apontar a existência de indícios suficientes para que
José Dirceu merecesse "ser investigado", surpreenderam.
Mas, postas no contexto de um processo que apenas se iniciava e da
descrença generalizada na Justiça, tendo ainda como única referência de
comparação mais ou menos à altura a absolvição de Fernando Collor 13
anos antes, aquelas palavras soavam a mera retórica.
Uma hipótese remota de condenação que vai agora se materializando na
montagem de um quebra-cabeça, cuja junção das peças desenha um cenário
de punições.
Collor foi absolvido da acusação de corrupção passiva por falta de
provas cabais sobre a existência do ato de ofício. O entendimento hoje é
outro, com a maioria dos ministros admitindo não ser indispensável a
demonstração de causa e efeito.
O que mudou? A audácia foi ao topo e, no exagero, cavou seu fundo de
poço. O Judiciário não ficou imune à realidade de exorbitâncias e
conivências dos últimos anos descrita no discurso de posse do ministro
Marco Aurélio Mello na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em
maio de 2006.
Contundência dos votos é proporcional à ousadia dos abusos cometidos
Ao apontar a "rotina de desfaçatez e indignidade que parece não ter
limite", Marco Aurélio ressaltava a urgência de se iniciar um "processo
de convalescença e cicatrização" no qual o Judiciário teria
necessariamente de "assumir sua parcela de responsabilidade nessa
avalancha de delitos que sacode o País".
Tanto a corda foi esticada, tantos abusos foram cometidos sob olhares
benevolentes e gestos coniventes de autoridades e sociedade, que ao
Supremo só restou a opção da resposta em grau de tolerância zero.
Mal na foto. Se prêmio houvesse para quem disse ou fez algo que
parece agora falácia ou manobra à luz da conclusão da primeira etapa do
julgamento do mensalão, a medalha de ouro iria para o ex-presidente Lula
em seu anunciado intuito de "desmontar" a aludida "farsa".
Dividindo a prata, os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Não pelos votos de absolvição a João Paulo Cunha, mas por seus
argumentos terem sido considerados pelo advogado Márcio Thomaz Bastos
como uma "vitória" da tese do caixa 2.
Convenhamos: não fica bem um magistrado ser apontado como arauto de
uma prática que o próprio advogado quando ministro da Justiça havia
classificado como "coisa de bandido".
O bronze, por ora, fica com os conselheiros do Tribunal de Contas da
União que aprovaram parecer que conferia ares de legalidade aos desvios
de dinheiro do Banco do Brasil considerados ilegais pela unanimidade do
STF.
Na categoria "hors concours", temos a Câmara dos Deputados que no dia
5 de abril de 2006 considerou João Paulo Cunha inocente da quebra de
decoro - agora motivo de condenação por corrupção passiva - por ter
recebido R$ 50 mil do valerioduto e cinco anos depois viria a aceitar
placidamente que o deputado presidisse a comissão de Constituição e
Justiça da Casa.
Ponte. Estremecido com o PSB por causa das disputas no Recife e em
Belo Horizonte, Lula na sexta-feira mandou sua assessoria telefonar para
os governadores Eduardo Campos e Cid Gomes convidando para uma reunião
no próximo dia 16.
Assunto: participação de ambos na campanha de Fernando Haddad, em São Paulo. Resposta: em exame.
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