A arrecadação do governo com encargos sobre as tarifas de energia
elétrica mais do que triplicou desde 2003. De R$ 5,4 bilhões recolhidos à
época, a receita total com essas taxas atinge R$ 18 bilhões por ano e
já corresponde a cerca de 20% do faturamento do setor, praticamente o
dobro do que representava há menos de uma década, segundo a Abrace
(associação dos grandes consumidores industriais de energia).
Além de encarecer as contas de luz, onerando consumidores
residenciais e tirando competitividade da indústria, boa parte dos
encargos setoriais se desviou das finalidades para as quais foram
criados. A presidente Dilma Rousseff anuncia, nos próximos dias, um
pacote de redução das tarifas de energia elétrica. O governo trabalhava
ontem com a tentativa de fazer o anúncio no dia 11, terça-feira que vem,
mas a data ainda está sujeita a mudanças. A cerimônia, no Palácio do
Planalto, se restringirá ao conjunto de medidas para o setor elétrico -
sem entrar, por enquanto, na área de portos e aeroportos. Apesar da
expectativa de uma queda das tarifas em torno de 20%, para consumidores
industriais, algumas distorções podem continuar existindo.
Na lista de encargos "desvirtuados" de sua função original, a taxa de
serviços de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) ocupa lugar de destaque. Ela foi instituída, em 1997, para
assegurar uma fonte de recursos às atividades do órgão regulador. No
entanto, a leitura dos relatórios anuais de gestão da própria Aneel
indica que menos da metade dos recursos arrecadados até hoje se voltou
para sua finalidade inicial. Mais da metade ficou retido pelo Tesouro e
virou superávit primário.
Nos últimos 14 anos, a taxa de fiscalização da agência - que encarece
em 0,28% as contas de luz e não tinha sua extinção cogitada pelo
governo - levantou R$ 3,6 bilhões dos consumidores. O dinheiro é
repassado pelas distribuidoras de energia, mas só R$ 1,9 bilhão se
transformaram em orçamento para a Aneel, após os contingenciamentos
feitos pelo Tesouro. O valor empenhado pela agência foi menor ainda: R$
1,79 bilhão. Ou seja, 51% de todos os recursos arrecadados engrossaram a
poupança do governo para pagar sua dívida, sem que jamais tivesse
chegado ao destino previsto por lei.
"O setor elétrico tem funcionado como um agente arrecadador de
tributos e encargos", lamenta Cláudio Sales, presidente do Instituto
Acende Brasil, um centro de estudos. Ele cita outro caso de desvio de
finalidade: a taxa que as distribuidoras pagam, de 0,5% sobre sua
receita operacional líquida, para financiar projetos de pesquisa
científica ou de eficiência energética. Até 2013, as empresas deverão
pagar um adicional de 0,3%, a fim de repor as perdas de arrecadação de
governos estaduais da região Norte com o ICMS cobrado sobre a venda de
combustíveis (como óleo diesel) usados nas usinas termelétricas.
Quando esses Estados foram conectados ao sistema interligado
nacional, seus Fiscos estaduais sentiram o baque e o peso do encargo
aumentou. "É um flagrante absurdo", afirma Sales. Outro encargo, a
Reserva Global de Reversão (RGR), foi criado nos anos 60 para abastecer
um fundo capaz de pagar a indenizar por concessões eventualmente
retomadas pelo poder público. Em cinco décadas de existência, o fundo
jamais foi usado para esse fim.
Uma auditoria recente do Tribunal de Contas da União constatou que a
Eletrobras, gestora dos recursos, aplicou o dinheiro arrecadado de
diversas formas. De 1996 a 2001, foram gastos R$ 708 milhões na compra
de ações de concessionárias privatizadas. De 2002 a 2004, cerca de R$ 1
bilhão foi destinado à tarifa social. De 2007 a 2010, o programa Luz
para Todos recebeu R$ 2,6 bilhões.
A desoneração de apenas três encargos - a RGR, a CCC e a CDE - poderá
reduzir a tarifa da indústria de 9% a 12%, dependendo do nível de
tensão. A renovação das concessões que vencem em 2015 deverá completar a
queda de tarifas. Não há martelo batido sobre a desoneração de
PIS-Cofins, mas a perspectiva maior é de que não haja retirada do
tributo.
O PIS-Cofins representa cerca de 8% das contas de luz. Até a década
passada, cobrava-se 3,65% de forma cumulativa, ao longo da cadeia. Há
oito anos, o regime passou a ser não-cumulativo, mas a alíquota foi
fixada em 9,25%. "Dependendo dos elos de produção de um determinado bem
ou serviço, o impacto pode ser ruim. No caso da energia elétrica, o
impacto foi péssimo", diz Claudio Sales.
Fonte: Jornal O Valor Econômico
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