O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta quarta-feira que,
em até 390 dias, nenhuma família poderá mais morar dentro dos limites do
Jardim Botânico. O prazo de quase treze meses se deve às diversas
etapas que deverão ser cumpridas por órgãos públicos até a definitiva
reintegração de posse. Nos próximos dois meses, o Jardim Botânico e o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deverão
concluir a delimitação da área do parque. Em seguida, a Secretaria de
Patrimônio da União (SPU) e o Ministério do Planejamento deverão
transferir para o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico todos os bens
imóveis da área, inclusive o Horto Florestal. De acordo com a
determinação do tribunal, até julho de 2013, as delimitações do Jardim
Botânico deverão ser registradas em cartório. Isso porque, apesar de
existir uma área tombada pelo Iphan desde 1938, os limites efetivos do
parque até hoje não estão formalmente registrados.
Hoje há 620 famílias no parque
O
registro é fundamental para que se consiga retirar do parque as cerca
de 620 famílias que hoje moram lá irregularmente. A grande preocupação
das associações de moradores da região é que o governo federal considere
que toda a área tombada faz parte dos limites do parque. Assim, seria
possível fazer a desocupação integral. Isso porque o TCU decidiu por
unanimidade que logo após os limites do parque serem registrados em
cartório, a Secretaria de Patrimônio da União e a Advocacia-Geral da
União (AGU) terão 60 dias para adotar “todas as medidas judiciais e
extrajudiciais necessárias” para executar os mandados de reintegração de
posse já julgados para imóveis da área definitiva.
Hoje, há 210
mandados de reintegração prontos para serem executados, mas eles só
serão efetivados se todos esses imóveis pertencerem à área do parque.
Para
corrigir as invasões existentes e prevenir outras, o TCU determinou
ainda que a SPU e a AGU “adotem todas as providências para a obtenção de
reintegração de posse de qualquer outra área do Jardim Botânico” que
esteja ocupada indevidamente e ainda não tenha recebido decisão judicial
favorável em última instância. Os órgãos terão até 90 dias após a
definição dos novos limites do parque para fazê-lo. Com isso, a
expectativa é que, até outubro do ano que vem, todas as moradias
irregulares existentes dentro dos limites do parque sejam retiradas.
Em
seguida, mesmo os moradores de imóveis que já tenham obtido decisão
definitiva da Justiça favorável à sua ocupação deverão ser retirados do
parque. O TCU determinou que o Iphan e o Ministério do Meio ambiente
deverão realizar estudos para promover a desapropriação de todas as
áreas com pagamento de indenização, para que o parque seja integralmente
recomposto.
— É uma decisão muito importante, histórica, porque,
depois de 204 anos, nós estamos sugerindo isso e nós vamos monitorar. Se
não forem cumpridos os prazos determinados por nós, vamos procurar
responsabilizar quem é de direito — afirma o relator do caso no TCU,
ministro Valmir Campelo.
O tribunal definiu ainda que, até a
conclusão desse processo, a Secretaria de Patrimônio da União não poderá
realizar a titulação a ocupantes dos 620 imóveis irregulares do parque.
Só após os novos limites do Jardim Botânico serem registrados, o
governo poderá retomar o projeto de regularização fundiária para as
residências que ficarem fora da área do parque. As medidas foram
comemoradas pela Associação de Moradores e Amigos do Jardim Botânico
(AMA-JB). O presidente da entidade, João Senise, disse que o foco agora
será a luta para que os limites do tombamento de 1938 sejam usados para
estabelecer a área do parque:
— Foi uma vitória grande. O Jardim
Botânico não é local de realocação imobiliária. O TCU jogou no colo do
Iphan a delimitação da área, mas ela já é delimitada desde 1938, só não
está registrada em nome do Jardim Botânico — diz Senise. — Vamos pedir
que o Jardim Botânico não abra mão de um centímetro da área.
Liszt Vieira comemora decisão
O
presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, Liszt Vieira,
disse que a decisão do TCU foi fundamental, porque efetivamente
garantirá a integridade e a preservação do local:
— O TCU deixou
claro que a proposta de fazer a regularização fundiária era ilegal. Para
nós e boa parte da sociedade, isso já estava claro desde o início. Como
o parque é tombado e fica em área de preservação permanente, não é
possível regularizar ocupações — afirma Liszt.
Em Brasília, a SPU
preferiu não se posicionar sobre o caso, porque ainda precisa analisar o
acórdão do TCU. No Rio, a presidente da Associação de Moradores do
Horto, Emília Souza, que representa as famílias que ocupam o parque,
preferiu não se manifestar. Ela quer primeiro analisar detalhes do
acórdão do TCU com os advogados da entidade.
Emília, no entanto,
acredita ser difícil encontrar um local nas proximidades para reassentar
os moradores que teriam que deixar suas casas. Segundo ela, a hipótese
de transferência dos moradores para terrenos na Estrada Dona Castorina,
que chegou a ser cogitada, é de difícil execução por falta de áreas
disponíveis.
Um impasse que já dura décadas
A
disputa pelas áreas do Jardim Botânico começou ainda no século passado,
quando a direção do parque autorizou que funcionários erguessem suas
casas na área conhecida como Horto. Em 1975, um levantamento identificou
377 famílias vivendo dentro dos limites do Jardim Botânico. Mas, em
2010, já eram 621 casas. Desse total, apenas 5% das moradias seriam
ocupadas por familiares de servidores.
Desde os anos 80, a União
tenta reaver a área original do Horto. Mas o impasse entre o Jardim
Botânico e a Secretaria do Patrimônio da União se intensificou há dois
anos, quando a SPU pediu a suspensão das execuções judiciais que
determinavam a reintegração de posse de 200 imóveis. A intenção da SPU é
promover a regularização fundiária, contrariando a direção do parque.
A
briga é também uma queda de braço entre dois grupos do PT. Um ligado ao
deputado federal Edson Santos, cuja irmã, Emília, é presidente da
Associação de Moradores do Horto, e outro que apoia o presidente do
Jardim Botânico, Liszt Vieira.
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