Lei de acesso à informação: um momento decisivo

» GREGORY MICHENER
PROFESSOR ADJUNTO DA EBAPE/FGV
» FABIANO ANGÉLICO
PESQUISADOR DA FGV SÃO PAULO

O Brasil aprofundou de maneira impressionante a sua “infraestrutura de transparência” no último ano. O governo da presidente Dilma Rousseff começou a renovar os portais de transparência do País, construiu o novo Portal de Dados Abertos e estabeleceu a Comissão da Verdade.

Ora, a aprovação da Lei de Acesso à Informação (LAI), que entrou em vigor há quatro meses, foi o ato de maior consequência para o País. Um mecanismo que fornece ao cidadão o direito de pedir e receber informação oficial, a LAI representa a base simbólica e prática da transparência de um país.

O compromisso com a transparência, porém, ter que ir além. Se a Lei de Acesso a Informação não se consolidar na prática – e acabamos de passar a marca do quarto mês – a coluna dorsal da transparência nunca se levantará e a infraestrutura de transparência que o Brasil construiu nos últimos anos ficará precocemente desgastada, sem efetividade.

Olhando pelo mundo, as perspectivas não são alentadoras.Talvez apenas metade dos mais de 90 países que já contam com leis de acesso conseguiram efetivamente “tirar a lei do papel”. Esse descumprimento é compreensível. Na verdade, “transparência” como conceito político é relativamente novo; nem sequer se usava a palavra no sentido moderno antes que o termo Glastnost, do líder soviético Mikhail Gorbachev, começasse a popularizar o conceito.

Mas no Brasil, a lei já está dando resultados. Obrigações de transparência ativa ajudaram o País a conhecer os salários pagos a funcionários públicos, revelando disparidades e excessos. A LAI ajudou também a Comissão da Verdade, ao acelerar a abertura de arquivos da época da ditadura militar. Ressalte-se também a recente decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que, com base na Lei de Acesso, abriu ao público informações sobre as receitas e despesas dos candidatos às eleições municipais deste ano.

Em suma: a Lei de Acesso à Informação está transformando a maneira como nos relacionamos com a Administração Pública. Mas a euforia inicial diminuiu, e a Lei de Acesso ainda não foi completamente implementada.Este momento é decisivo: a partir de agora, ou a lei pega de vez ou perderá força.

Três aspectos merecem reflexão. Em primeiro lugar, o desempenho muito desigual em relação à LAI nos três níveis de governo e nos diferentes poderes indica que ainda há muito trabalho. Em muitos estados e municípios, a Lei de Acesso nem sequer foi regulamentada.

Em segundo lugar, convém destacar que a Lei de Acesso não conseguiu atingir um pedaço da Administração Pública detentora de muitos recursos e muitas relações (e, por consequência, muita informação): as empresas estatais, como BNDES e Petrobras. Com orçamentos extraordinários, algumas estatais de grande porte pouco fizeram para se adaptar à LAI – e o decreto que a regulamentou no âmbito no Executivo Federal amenizou as obrigações de transparência das empresas estatais.

Por fim, um terceiro ponto, não menos importante: os cidadãos, a imprensa e a sociedade civil organizada precisam olhar para além da transparência – precisam fazer mais perguntas usando a Lei e sobre o cumprimento incompleto dela. É necessário, por exemplo, questionar os órgãos de controle (Ministérios Públicos, Tribunais de Contas e controladorias regionais) sobre o não cumprimento da LAI por parte de seus jurisdicionados.

Talvez de maior importância, a sociedade precisa trabalhar melhor a informação, em vez de apenas “olhar” a informação tornada disponível a partir da Lei de Acesso. Com uma ou duas exceções, não se tem notícia de que setores distintos da sociedade tenham se apropriado de informações públicas para fortalecer suas agendas.

Estudos sobre a Lei de Acesso à Informação ao redor do mundo apontam que a atenção da imprensa e dos cidadãos fazem toda a diferença. A mídia e os cidadãos têm um papel essencial no sentido de disparar alarmes para indicar o descumprimento da Lei.

A competição política também costuma ser decisiva para o efetivo cumprimento de uma Lei de Acesso: a oposição poderá fiscalizar melhor o oponente que ocupa um cargo público se utilizar os mecanismos previstos na Lei para obter informações relevantes.

Os esforços do governo brasileiro na criação de mais transparência são louváveis. Os Portais da Transparência, o Portal de Dados Abertos, a nova Comissão da Verdade e a nova Lei de Acesso à Informação são todos excepcionais mecanismos legais por si sós: eles possibilitam maior transparência, e mais transparência pode expor corrupção e desperdício, incompetência e ineficiência.

A esperança é que alguém esteja observando e possa ir além da transparência – de modo a trazer benefícios a toda a sociedade, inclusive aos que não estão prestando atenção.

 

Fonte: Jornal do Commercio

 

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