A medida provisória (MP) 584, editada no dia 10 de
outubro com isenções fiscais de R$ 3,8 bilhões para a Olimpíada do Rio
em 2016, deve ser o próximo alvo de polêmica envolvendo a legislação
referente aos grandes eventos esportivos que o país sediará. O motivo é
que alguns dos seus dispositivos são controversos e contrários à
prática tributária no país.
Caso do artigo 19, que delega ao Comitê Olímpico
Internacional (COI), ao Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016
(Rio 2016) as pessoas físicas e jurídicas que poderão ser alvo dessas
isenções. Ou seja, órgãos alheios a estrutura estatal terão poder de
apontar quem poderá deixar de pagar tributos federais. O Rio 2016 é
presidido por Carlos Arthur Nuzman, também presidente do Comitê Olímpico
Brasileiro (COB).
Para a oposição, isso abre espaço para possíveis
favorecimentos a empresas que tenham relação com dirigentes dessas
instituições. Tanto que o presidente do DEM, senador José Agripino
(RN), apresentou uma emenda para impor a necessidade que sejam
respeitados os princípios da impessoalidade e da isonomia nessa
indicações. "O objetivo é evitar que a escolha dos beneficiários reste
contaminada por eventuais relações de apreço e desapreço em relação às
autoridades com poder de indicação. Busca-se conferir um mínimo de
objetividade ao processo", justificou.
A MP também prevê que, se o COI ou o Rio 2016 não
indicarem os beneficiários das isenções, isso será feito pela
Autoridade Pública Olímpica (APO), o consórcio público formado pela
União, Estado do Rio e município do Rio para, entre outras obrigações,
monitorar a execução das obras dos Jogos.
Outra ponto controverso foi apontado em uma nota
técnica da Consultoria de Orçamento do Senado publicada na quarta-feira
da semana passada. O consultor José Rui Gonçalves Rosa considerou a MP
uma afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). "[A MP] Não veio
acompanhada de estimativa de renúncia fiscal e de medidas de
compensação conforme determina a LRF. A adequação orçamentária diz
respeito à compatibilidade de medidas tributárias adotadas, cuja
eventual renúncia de receitas seja contrabalançada por medidas
compensatórias, frente à necessidade de se manter o resultado primário.
Ela não atende aos requisitos da LRF. Não está adequada do ponto de
vista orçamentário e financeiro", disse.
De fato, a exposição de motivos não acompanhou a MP
quando foi publicada no "Diário Oficial da União", embora conste no
site da Presidência da República. Ali, seu signatário, o
secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, afirma
que "essas renúncias serão consideradas para efeito de manter o ajuste
fiscal", mas não aponta de onde sairão as compensações, conforme
determina o artigo 14 da LRF.
Um terceiro item que pode gerar polêmica é o artigo
27 da MP. Ele impõe a retroatividade a essas isenções fiscais, que
passariam a valer desde 1º de janeiro de 2012. A oposição reclamou. A
deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) também pediu a exclusão desse artigo.
"Não há justificativa para a retroação desses benefícios. Não pode o
governo simplesmente devolver recursos já arrecadados de empresas que
se beneficiarão a partir de 1º de janeiro de 2013", afirma.
O Valor pediu esclarecimentos ao Ministério da
Fazenda, mas não obteve retorno. Na exposição de motivos, Barbosa
garante que há previsão orçamentária para a retroatividade, tendo em
vista que "operações econômicas, que estão acobertadas por garantias do
governo federal, já estão em curso desde 1º de janeiro de 2012". Sobre
a delegação da indicação dos beneficiários, afirma que "somente são
alcançadas pelos benefícios as operações diretamente relacionadas com a
organização e realização dos eventos, devendo tais operações serem
passíveis de comprovação por intermédio de documentação fiscal idônea".
Tamanha a relevância da MP para o Rio que a bancada
fluminense se articulou para comandar a comissão mista instalada na
semana passada para analisá-la. Por enquanto, já garantiram assento
nela os senadores Lindbergh Farias (PT) e Francisco Dornelles (PP); e
os deputados Edson Santos (PT), Rodrigo Bethlem (PMDB), Marcelo Matos
(PDT) e Felipe Bornier (PSD). O prazo para indicação partidária ainda
não se encerrou. Bethlem será o presidente da comissão. Ele é braço
direito do prefeito reeleito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), de quem foi
secretário de Ordem Pública e depois de Assistência Social. Em suas
emendas, os parlamentares do Rio buscam ampliar o leque de beneficiários
com a isenção de tributos. Dornelles sugere que ela alcance a
importação para cavalos, armas brancas, embarcações à vela e remo,
embarcações de passageiros que sirvam de hospedagem a turistas, projetos
de infraestrutura urbana, entre outros. Otávio Leite (PSDB-RJ),
candidato derrotado à Prefeitura do Rio neste ano, propôs a aprovação de
uma emenda que cria um regime especial de tributação "para construção,
ampliação, reforma ou modernização da infraestrutura necessária à
realização dos Jogos". Alessandro Molon (PT-RJ) pretende que as isenções
alcancem a Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio em
2013.
Fonte: Jornal O Valor Econômico
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