Após anos de euforia com a retomada de grandes obras públicas, o segmento de construção pesada entrou em uma fase de angústia, com queda acentuada de rentabilidade e aumento dos prazos para receber pelos serviços prestados aos seus clientes.
A piora do desempenho econômico-financeiro das construtoras foi identificado em estudo inédito da consultoria Ernst & Young, a partir de uma amostra com 40 empresas de capital aberto e fechado, que têm faturamento entre R$ 80 milhões e R$ 8,5 bilhões por ano. O lucro líquido das empreiteiras consultadas representou 3,06% de suas receitas em 2011. Trata-se de um declínio expressivo em relação aos 7,21% verificados no ano anterior e evidencia a menor rentabilidade no ramo da construção desde 2004.
Para desalento das empresas, esse não é apenas um olhar pelo retrovisor. "De acordo com o ritmo de investimentos em 2012, o desempenho do ano deverá ser ainda menor", conclui a Ernst & Young. Até porque, segundo diversos empresários do segmento, os principais ingredientes responsáveis pelo cenário de deterioração do ambiente mantêm-se do mesmo jeito: baixo ritmo de investimentos públicos, defasagem nas tabelas de preços do governo e paralisações de obras.
De janeiro a setembro, a execução orçamentária do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) alcançou R$ 6,3 bilhões, o que significa uma redução de 24% sobre igual período do ano passado. Os investimentos da Valec, responsável pela Ferrovia Norte-Sul e pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), caíram 45% na mesma comparação e ficaram em R$ 711 milhões nos nove primeiros meses de 2012. A transposição do rio São Francisco, um dos maiores empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com orçamento público, está atrasada em quatro anos e ainda precisa de cinco licitações adicionais que não saem da gaveta - e nem têm data para sair.
"O setor está em crise e vive um ambiente no qual muitas vezes a baixa rentabilidade não justifica mais o risco de contratos com o governo", afirma José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), que encomendou o estudo feito pela Ernst & Young. Para ele, o risco associado a exigências no licenciamento ambiental e o excesso de interferências do Tribunal de Contas da União (TCU) são exemplos de insegurança jurídica em torno dos contratos, que ficam com seus valores imprevisíveis.
O presidente da Constran, João Santana, ilustra essa falta de previsibilidade com uma licitação do Dnit para as obras de duplicação da rodovia BR-116, no Rio Grande do Sul. A empreiteira ganhou a concorrência em dois lotes. "Entre o lançamento do edital e a assinatura do contrato, passaram-se dois anos", afirma Santana. Só agora as obras estão começando. No longo intervalo, entretanto, os custos dispararam e essa alta não é integralmente coberta pelos reajustes contratuais previstos pelo Dnit. "Qualquer escorregada nossa pode significar prejuízo", diz o executivo.
À frente da empresa que mais detém contratos com a Valec, Santana ataca o mito de que atrasar grandes obras é interessante para as empreiteiras. "Ocorre o contrário. A cada mês de atraso em relação ao prazo original, perco uma fatia do lucro", ressalta. Ele exemplifica com o caso de obras para a estatal das ferrovias que sofrem com restrições ambientais ou com paralisações determinadas pelo TCU. Há depreciação de equipamentos parados e despesas com o armazenamento das máquinas, que muitas vezes não podem sequer ser alugadas a terceiros, porque ficam à disposição de uma eventual retomada dos trabalhos. "Isso tudo é custo indireto na veia", resume.
Uma queixa unânime das empreiteiras é sobre a defasagem das tabelas Sicro e Sinapi, usadas pelos órgãos do governo como referência de preços para mão de obra e matérias-primas, nos editais de licitação. O valor de insumos como asfalto, concreto e aço tem subido. Complica a situação o fato de que praticamente toda a oferta de cimento asfáltico de petróleo, no país, é da Petrobras.
"Os editais têm preços que não pagam sequer a logística dos insumos para uso nas obras rodoviárias", observa José Alberto Ribeiro. Para ele, uma solução pode ser a retirada do asfalto como item das licitações do Dnit, dando à própria autarquia a responsabilidade por comprá-lo e providenciar sua entrega nos canteiros de obras. Isso tende, na visão do presidente da Aneor, até a facilitar o controle do TCU - seria um item importante a menos para fiscalizar. "O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) de Minas Gerais já adota essa prática, com sucesso", acrescenta.
Além da revisão dos preços de referência, a elaboração de tabelas regionais está na lista de reivindicações das empresas. "Os preços de São Paulo não são os mesmos da região Norte", diz o diretor-presidente da construtora paulista CVS, Luciano Amadio.
Outra preocupação das construtoras é com a disparada nos custos com mão de obra. O estudo da Ernst & Young aponta que as despesas administrativas das empreiteiras consultadas, nas quais se incluem os gastos com funcionários de todos os escalões, subiram 61,4% em 2011.
De acordo com Amadio, os salários estão aumentando muito acima da inflação. "O dissídio médio dos trabalhadores da construção foi de 9%. No Espírito Santo, por exemplo, o reajuste alcançou 14%", observa. O problema, conforme lembram vários empresários e executivos do setor, é que a alta de custos trabalhistas não se limita exclusivamente aos salários. Com a escassez de profissionais qualificados, tem sido cada vez mais comum investir em formação de mão de obra técnica, de pedreiros a operadores de máquinas pesadas.
João Santana, da Constran, lembra que as conquistas recentes dos sindicatos extrapolam os índices de reajustes e abrangem outros benefícios, como cesta básica e auxílio-saúde. "Veja bem, ninguém é contra isso, mas são custos que nos pressionam e precisam estar refletidos nos contratos", enfatiza. A disputa por profissionais enfrenta a forte concorrência da construção imobiliária, ainda bastante aquecida, que paga diárias de até R$ 150 a trabalhadores sem carteira assinada.
"Os orçamentos elaborados pelos entes governamentais adotam uma base de dados com preços excessivamente baixos se comparados às referências de mercado", diz o relatório final da Ernst & Young. "Esse fato inibe as empresas mais bem capacitadas de participarem das concorrências públicas da obra e estaria promovendo a implantação de projetos de baixa qualidade."
Apesar do diagnóstico, a conclusão da consultoria é que as tabelas não têm sido atualizadas porque algumas empresas "mergulham" seus preços, na tentativa de conquistar mercado. Isso sinaliza que "existe apetite das empresas preços praticados" e "não cria incentivos para que os órgãos públicos façam uma atualização/revisão dos valores constantes nos sistemas utilizados".
O critério de menor preço, usado na definição dos vencedores de licitações públicas, tem privilegiado construtoras com "pouca qualificação técnica" e potencializa as intervenções do TCU, segundo o estudo. Com a paralisação de obras e de pagamentos, ficam comprometidos os fluxos de caixa das empresas, gerando uma verdadeira espiral negativa.
Quando todos os percalços são superados e as empreiteiras concluem seus serviços, há um prazo médio de 88 dias para o recebimento dos valores. Esse prazo caiu fortemente nos últimos anos, mas voltou a aumentar um pouco e é o maior desde 2008.
Fonte: Jornal Valor Econômico
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