Não por acaso os constituintes de
1988 incluíram o sistema federativo entre as cláusulas pétreas da
Constituição: aquelas que nem o Congresso pode modificar e que só podem
ser alteradas pelo poder originário do povo, por meio de plebiscito ou
referendo. As autoridades da República também podem responder por
crime de responsabilidade se atentarem contra o regime federativo.
Essas balizas foram criadas porque a Federação dos estados, base da
nacionalidade, embora tão real, é delicada como um cristal. O momento
não chega a ser de crise, mas é de estremecimentos federativos. A
passeata de ontem no Rio de Janeiro, reunindo 200 mil pessoas contra o
projeto de lei dos royalties, sob o lema “Veta, Dilma”, teve na
vanguarda o governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes e os
senadores Francisco Dornelles e Lindbergh Farias. Foi uma expressão
desse tremor. Há outros temas na agenda contribuindo para aumentá-lo.
Algo vai mal quando 24 unidades federativas partem para o confronto
com outros dois estados por conta de recursos, aprovando no Congresso
uma lei que afeta contratos em vigor. Algo vai mal quando o Executivo
deixa um assunto dessa gravidade tramitar ao laissez faire, só entrando
em cena quando a correlação de forças para a votação já fora criada. O
rolo compressor estava montado, há tempos, para a votação, na Câmara,
do projeto aprovado pelo Senado, justamente a Casa que deve zelar pelo
equilíbrio federativo.
Uma outra questão que joga água nesse moinho é a da repartição das
receitas do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O relator, senador
Walter Pinheiro (PT-BA), tenta pactuar um texto satisfatório, mas seu
trabalho é quase solitário. O tempo está passando e o Supremo deu prazo
ao Congresso para aprovar a matéria até o fim do ano, sob pena de não
haver redistribuição dos recursos no ano que vem. Sempre que não faz
sua tarefa, o Congresso permite a judicialização do assunto. E, com
isso, o poder do Supremo vai se espraiando.
O projeto de renovação antecipada das concessões do setor elétrico,
para forçar a baixa das tarifas, embora necessário, enfrenta
resistências de Minas e de São Paulo, que se queixam da forma
impositiva com que foi apresentado. Não menos grave é a questão das
dívidas, que vêm sendo renegociadas, mas ainda enfrenta pendências,
especialmente com os dois estados mais ricos. E há ainda a proposta da
União para unificar as alíquotas do ICMS, que alimentam a guerra fiscal
entre governos e governadores. A unificação, também necessária, exige
esforço de negociação.
A Federação está sendo tratada com descuido, diz o senador Aécio
Neves: “O Palácio do Planalto trata as questões federativas com
negligência, seja por imperícia política ou por cálculo fiscal, para
manter a concentração de recursos nos cofres da União”.
Sérgio Miranda
O mundo fica pior cada vez que perdemos um dos nossos melhores.
Sérgio Miranda foi um homem público exemplar, um intelectual de
resultados e um ser humano excepcional. As convicções políticas o
guiaram desde os 15 anos, quando começou a militar no movimento
estudantil em Fortaleza e entrou para o PCdoB. Foi preso em Ibiúna em
1968 e expulso do curso de matemática da UFCE. Vieram anos de
clandestinidade. Viu companheiros, como Helenira Resende e Robson
Gurgel, partirem sem volta para o Araguaia. Viu serem trucidados pela
ditadura dirigentes como Pedro Pomar e Angelo Arroyo.
Conheci-o na CPI dos Anões do Orçamento, em 1993. Havia chegado à
Câmara como suplente de Célio de Castro e logo se destacou pela
combatividade e pela aplicação aos temas de seu maior interesse na
esfera do Estado: a dívida pública, os direitos sociais e
previdenciários, as questões orçamentárias, as telecomunicações. Logo
apareceria nas listas dos mais influentes. Tinha causas, não
interesses. Ajudei modestamente na divulgação de alguns, destacando a
parceria com ele e Walter Pinheiro para impedir, no governo FH, que os
recursos do Fust fossem apropriados pelas teles.
No início do governo Lula, votou contra a reforma previdenciária e
foi punido com uma suspensão pelo PCdoB. O PT fez o mesmo com seus
dissidentes. Esse ato de força desnecessário contra quem dedicara 43
anos à legenda comunista dividiu sua vida. Saiu do partido, entrou para
o PDT, mas não se elegeu em 2006 nem em 2010. A perda do mandato
certamente cortou-lhe parte do oxigênio que nutria seu DNA político.
Combatente, Sérgio era também um homem culto e sensível, amante das
artes e da literatura, especialmente da poesia. Por sua partida, tomo
emprestada a primeira estrofe de Funeral blues, de Auden, poema de que
ele muito gostava: “Detenham os relógios/calem o telefone/joguem um
osso ao cão para que não ladre mais/façam silêncio os pianos/e o tambor
sancione o féretro/que sai com seu cortejo atrás”.
Europa
Em Portugal, a crise europeia produz uma onda de privatizações que faz
lembrar os tempos áureos do neoliberalismo. O embaixador Francisco
Ribeiro Telles, em conversa com jornalistas brasileiros, diz que não
havia saída para o deficit nas contas públicas e a falta de recursos
para investimentos. O governo já privatizou 11 grandes hospitais do
Estado, quase todos arrematados pela Amil, de bandeira brasileira mas
capital americano. A TAP será vendida e os portugueses torcem para que o
vencedor da licitação seja o brasileiro José Efromovich, dono da
Avianca. Mas as privatizações incluem ainda empresas de água, energia,
transportes e até mesmo um dos canais da RTP, a histórica TV pública de
Portugal.
Fonte: Jornal do Commercio
|